Carta

Eu vou ter que sobreviver, não adianta. Nem por todos os choros, as raivas, as bateções de porta. Os goles quentes da bebida rasgando-me a garganta, nada disso irá mudar. E eu prometi que o faria também, que carregaria tudo isso. "Tudo isso", vê se pode. Quem ouve pensa que refiro-me a um furação. É resquício, migalha, fagulha medrosa, nada mais. Só dentro de mim que esvoaça, dilacera, me assalta e daqui leva tudo que tanto tempo demorei para construir. Olhar de fora, olhar de longe, do que isso vai me adiantar? Não quero complacências. Nem deles nem a tua-- que aliás, é sempre a pior de todas. É feito facada, golpe de misericórdia em corpo que nem anda mais, só se arrasta atrás de ti. E eu lhe implorei pela verdade; gritei, me debulhei, debati: e a consegui. Ora, porque diabos tamanha insatisfação, então? Sabia e guardei, selei os lábios. Dei tudo de mim, menos a verdade. Te quis desde o primeiro segundo e, agora, tenho mais nem direito a mim. Tenho a lembrança cheia de sadismo e o falso horizonte que obrigo-me a enxergar. E quem dera, quem desse-me a dádiva de só mais um toque, um gosto embriagante de ti por mim, envolvendo-me e fazendo-me esquecer de toda a mentira que lhe ofereci. Tu foras toda minha verdade e eu te enclausurei com minha fachada mal feita. Dê-me só mais uma palavra para eu ter certeza então que, tudo está sim, totalmente perdido.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 07/02/2015
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