Dopamina

Gosto de finais tranquilos. Gosto de gente nova - de idade e de conhecimento - mas não gosto quando elas se vão. Gosto de entender porque se vão. Gosto de closer.

Gosto do som que os dedos produzem arrastando-se nas cordas do violão entre uma nota e outra, gosto do som de órgão, da respiração de pianistas e flautistas no silêncio - a emoldurar as notas -, de ver o suor voar dos braços e cabelos de bateristas. Gosto quando a entrega é tanta que a camisa do vocal fica molhada de suor. Gosto do tom que cada batuque dá ao meu coração, gosto de como fazem pular as lágrimas de dentro de mim. Gosto quando o prazer da música é tanto que os músicos viram os olhos e entregam de peito aberto a última nota de seus corpos e suas gargantas. Gosto da mistura de ritmos e de infinitas possibilidades que podem ser tocadas com quantos instrumentos forem possíveis.

Gosto da textura de cabelos amados entre os dedos, do brilho da luz que estes podem refletir. Gosto dos caminhos que podem, descontraidamente, ser percorridos pela pele com as mãos. Gosto de cheiro de café na cozinha, de incenso no quarto, da luz entrando pelas

frestas de janelas, do barulho da chuva caindo nas folhas das árvores à minha casa.

Gosto do meu guarda-roupa organizado, gosto de encontrar lógica nesse caos gelatinoso do mundo, gosto de sentar para refletir, falar comigo, rir comigo, pensar comigo, chorar comigo. Gosto do meu tempo, da liberdade que secretamente me preservo.

Gosto da habilidade de lembrar de tudo. Gosto do gosto que tem um sofá confortável no final da tarde, de deitar sob um lençol em todo domingo chuvoso, do cheiro de grama molhada do parque do Ibirapuera, do por do sol no parque Villa Lobos, de vinho seco sob qualquer árvore com um boa companhia, de pular com tamanha intensidade que só o que se pode ver são os sorrisos alheios entre os borrões do mundo.

Gosto de quando o gato chega de mansinho, se aninha sob minha mão e levanta a cabeça pedindo carinho, da sutileza de suas patas a andar pela casa, gosto de andar por aí, como ele faz às tardes. Gosto de ter alguém a quem ter e dar carinho.

Gosto de dançar desgovernadamente ao som de qualquer música, de ler um texto bem escrito - seja qual for o gênero -, de ouvir uma história real bem contada e ao mesmo tempo observar o brilho dos olhos, a verdade dos sorrisos, os gestos despercebidos - como que em câmera lenta -, de limão puro e como acompanhamento em muita coisa.

Gosto das curvas do mundo, das formas lógicas nas árvores, de sentir suas textura e cheirar suas folhas, suas frutas, suas flores. Gosto da textura das minhas próprias digitais nas pontas dos dedos, gosto de mexer na minha unha torta para pensar, de coçar a cabeça quando confusa, de me esforçar em algo novo, e de lembrar de tudo que é antigo. Gosto ver as rodas do mundo a rodar, do som de buzinas de sininho, da sensação de pisar no chão de casa sem sapatos, de deitar no chão e olhar para o nada, de virar de ponta cabeça e procurar por novos pontos de vista na minha vida. Gosto de ter consciência do que faz meu equilíbrio físico e psicológico.

Gosto de escrever despreocupadamente sobre o que vier na telha quando algo está errado.

Mas, às vezes, gosto de ficar cozinhando algo na cabeça, pra poder chamar de obra de arte o que eu faço. Às vezes.

Sabrina Vieira
Enviado por Sabrina Vieira em 04/03/2015
Código do texto: T5157401
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