Não sou como a neve que cai

Não sou como a neve que cai
Bela e fria
Não sou também como o sol que brilha
Belo e quente
Sou normal
Nem tão belo
Nem tão frio
Nem tão quente
Realizo a média dos seres
No mundo das médias

Talvez desejasse ser melhor
Vaidade
Talvez odiasse ser pior
Prepotência

Fruto da média
Horas sou mais quente
Horas estou mais frio
Horas sou melhor
Horas sou decepção humana
Mas sou humano
Não necessariamente humano em humanidade
Mas certamente humano em espécie

Como todos, sonho
Como eu mesmo
Não me prendo aos sonhos

Esperanças
Abri mão delas a algum tempo

Sou real em um mundo real
Sou subjetivo
Todos somos

Sempre perceberemos o mundo no passado
A subjetividade do real se processa internamente
Requer tempo para captar e perceber
Tempo para processar e criar imagens
Tempo para compor sentido
Tempo para delegar ao consciente o falso presente que já foi
Pois o que percebo já é passado
Mas me engano que é presente

Este somos nós
Este sou eu
Um crente enganado
Pela mente ludibriado
Mas que se acha senhor de si
Na prepotência da consciência falaciosa de si mesma

Sempre perceberemos o mundo subjetivamente
Não que ele o seja
Mas o é enquanto componho em mim
O simbolismo da realidade que apenas em parte percebo

Sou falível e imperfeito
Por isto sou humano
Talvez por isto ame poesia
Talvez por isto tenha ânsia de aprender
O que apenas parcialmente poderei saber
Mas acho que parte é melhor que nada
Acho que ainda não amo em essência
Talvez nunca ame
Por isto
O respeito ao ser humano é melhor que nada
Se não sou altruísta em totalidade
Pelo menos é melhor ser compromissado com a vida
Não minha
Coisa fácil e vulgar
Não dos meus filhos
Importante mas biológica
Compromissado pela vida enquanto vida
Pela minha, de meus filhos, dos amigos, e em especial dos demais
Vida de todos
Vida animal ou vegetal
Vida natural
Vida enquanto essência da físico-química que se fez biologia
Vida mental que emerge da complexidade biológica de um cérebro
Cérebro físico, plástico e falho
Cérebro que permitiu a mente
Mente que me move, e que é comum a outros animais


Amo a vida porque ela é única
Única para mim
Única para os demais seres humanos
Única para os animais
Única para os vegetais
Única em cada reino biológico
Única em cada nicho biológico
Única, passageira, breve e fatal

Passo por este mundo caminhando
Tenho que caminhar
Passo por este mundo acompanhado pela morte
Ela me espreita o tempo todo
Espreita a todos
Porque desperdiçar tempo
Tempo que não passa
Que não existe como flecha alguma
Tempo que é estático
Dimensão adicional
Tempo pelo qual passeio
Como passeio pela dimensão espacial
Espaço, tempo, espaço-temporal
Unicidade que parece dissociada
Unicidade que me faz ser único
Em um único espaço tempo
Em um único corpo físico
Em um único ser mental
Em um único animal

Amo a vida porque é tudo o que realmente tenho
Amo a vida porque só tenho esta
Uma única chance para realizar o viver
Sem depois
Sem segunda chance
Sem sequer saber se o amanhã virá
Sem sequer saber se terminarei este texto
Ou se conseguirei lê-lo em outra hora
Sem sequer saber se aprendi realmente a ser um humano

Por isto
Tento num mundo de médias
Aprender a ajudar a levantar estas médias
Com amor
Respeito
Compromisso
Doação
Ousadia
Coragem
Sensibilidade
Com alguma ousadia para desconstruir o que sou
E com o desejo de fazer alguma diferença
De deixar exemplos
De tornar-me algo essencial para o essencial do viver
De aprender a ser humano
Humanamente humano
Animalmente humano
Mentalmente humano
E socialmente humano

Não sou como a neve que cai
Não sou como a neve que se acumula
Não sou como a neve que enfeita, que destrói, ou com a qual se brinca
Não sou como a neve que derrete
Pois que sou animal humano
Complexo, múltiplo, instável e mutável mentalmente
Sou um ser que busca poder ser, um ser humano.
Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 09/03/2015
Código do texto: T5163526
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