Sóis

Eu vou tentar me lembrar, me dê só um segundo; é fácil, é daquilo que a gente grava totalmente sem nem ter que tentar.

Era manhã, madrugada, sei lá. Acho que os dois, isso. Madruguei com a televisão ligada vendo um pouco de tudo, prestando atenção em nada. Entra e sai de xícaras de café na pia suja, noite mais quente de todo aquele verão. Tão calmo, tão bonito; foram tantas coisas que correram por mim naquelas horas. Você, por exemplo.

Ah, eu nem lhe conhecia. Nem conhecia quem achei você ser antes do último, dá pra entender isso? Eu sonhei contigo a vida inteira. Vinha um, ia outro. A imagem não se modificava; detalhes aqui e acolá, mas a síntese era sempre a mesma: a imagem de alguém inalcançavelmente maravilhoso para mim. Lembro de imaginar teu gosto naquela noite também, faz tanto tempo já. Eras de desamores e ilusões foram e vieram e eu continuo tão indefinida, ingênua quanto antes.

Sonhava com amanheceres. Com fins de tarde chegando em casa e te encontrando sem fazer nada de especial. Desenhava mil sorrisos em mente e tentava projetá-los nos rostos que passavam por perto de mim; nunca deu certo, é claro.

Os que fizeram-me os amar não foram projeções, foram surpresas. Foram brincadeiras de mal gosto, foram ameaças da tal 'felicidade absoluta'. Eles foram maravilhosos, todos eles. E dolorosos em igual proporção. Era um instante de euforia por um mar de afogamentos, de ondas cobrindo-me por inteira. Onda de fantasia que não me deixava guardar o ar de fora dentro de mim. Talvez aceitá-la tenha sido a melhor decisão.

Aceitar o abraço frio, o envolvimento da consciência, a luz sem calor do sol que vem lá de cima me tentar. Ela é linda, maravilhosa, mas aprendi a apenas admirá-la, tudo bem. Se um dia tocar minha pele, eu provavelmente dissolveria de uma vez. Não há porquê mais lutar para sair daqui: o sonho não me carrega, mas é levando-o comigo que não queimo a minha córnea só de observar as luzes daqui do fundo.

Quem sabe um dia ainda irei lembrar do calor na pele de verdade, mas por hoje não dá. Hoje eu lembro e levo, repouso em todas as mil fantasias que vocês me concederam.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 27/03/2015
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