O peso dos corações frios

Eu ouço falar de amor o tempo todo. Não apenas sobre ele em si, mas sobre o ato de amar; sobre como devemos fazê-lo, o que faz dele belo, válido até. Sobre como devemos ser óbvios, loucos, transparentes. Sobre como só é possível haver verdade no exibicionismo do mesmo; é como se tivéssemos o transformado num circo, uma atração que pede aplausos.

Nunca fui atração, nunca consegui colocá-lo num palanque e ostentar o seu drama. Eu amava pelos cantos, discretamente. Eu fugia da clareza das quedas de escola, das músicas sobre perdas e ressentimento; eu criava todo um universo de vontade dentro de mim. Isso, a quaisquer outros olhos é chamado de frieza. Somos gélidos, covardes, feitos de pedra e aço, sempre com a faca na mão para seja lá quem se aproximar.

Não sabemos amar, nos escondemos e o renegamos toda hora; não tivemos a dádiva da reciprocidade, da possibilidade duma faísca no mundo real, portanto, somos nada por aqui. Somos sombras, vulto, encalço de quem vai e dá a cara a tapa, quem é escolhido pela encenação.

Secura, tudo quase sem nenhum sinal de cor. Quem é que quer perder seu tempo num cenário feito esse? Essas linhas não escrevem nenhuma obra que faça-lhes chorar; e ai? eu não pude gritar fora daqui. Não deu pra chamar por todos aqueles nomes, pertencer a um que fosse de verdade. E quanto ao sonho ninguém deve se importar. Ele não é digno de ser ovacionado. Ah, mas eu teria coragem.

Desse-me uma oportunidade, uma mínima fresta que fosse para sair daqui que eu a devoraria por inteira; se houvesse chance de ser algo além desse reflexo, essa imagem tão saturada de mim mesma e louca de fome por um toque doutro alguém. Mas eu sei que não. Tem gente que nasce para todas as loucuras e riscos, todas as quedas do mundo real, já outros-- outros são um abismo por si só.

Letícia Castor
Enviado por Letícia Castor em 27/03/2015
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