Viagem ao Nordeste - dia 2

Acordei como quem acorda para um sonho, ouvindo vozes na cozinha com sotaques diferentes do que estou acostumada. É impossível não sorrir quando se está de férias. Acordei com o sorriso do rosto, eu lembro, e fui até a cozinha. Lembro que procurei o pão que só conhecida nessa cidade, mas descobri que o padeiro falecera há alguns anos. Vai ficar na memória o melhor pão que já comi. Como que por luto ao padeiro e ao pão, não comi pão algum. Só tomei um cafezinho.

Fiquei uma parte do dia dentro de casa, curtindo a presença já bem idosa da minha avó. Ela não me ouvia direito enquanto conversávamos, eu falo muito baixo e ela já ficando surda, a conversa parecia de gente doida. Minha avó antes era muito ativa e independente, achei um tanto estranho vê-la quieta numa poltrona a conversar comigo.

Tudo parecia igual, mas num segundo dia, num segundo olhar, percebi que tudo estava muito diferente. Senti falta da rede e das poltronas que antes existiam numa salinha com televisão e foram retiradas para facilitar a locomoção dela. Vi que para ela é como um castigo depender de outras pessoas cuidando da própria casa dela. Antes ela cultivava uma pequena horta e tinha galinhas no fundo do quintal, hoje e mal consegue regar as plantas que têm fácil acesso com o andador. Vozinha antes assistia novelas, todas as novelas, e vi que pegou algum desgosto pela televisão e já não conversa e briga com os personagens. Fica ali, no cantinho dela, a suspirar e seus olhos brilham ao ver um visita entrar, parar e conversar.

Conheci a moça que cuida da minha avó, mais nova que eu, ainda está no ensino médio, embora já tenha passado da hora de se formar. Mora na roça, mas dorme na cidade, com minha avó. Sorte de todos nós que ela tem muita paciência com a agonia e ansiedade da minha avó, antes tão andante e agitada. São ordens o dia inteiro, como fazer, onde guardar, onde encontrar, o que fazer. Minha avó ainda rege a casa. Mulher forte...

Um pouco mais tarde saí com um primo para dar um passeio na cidade e rever outros parentes, primos, primas, tios e tias avós. Todos com o abraço que eu esperava, todos mais maduros, alguns noivos, outros separados, alguns sadios, outros doentes. Mas muitos sorrisos. Cheiros de comidas sendo preparadas. Crianças que eu nunca tinha visto meio desconfiadas com a estranha em suas casas. Janelas quando abertas trazem uma luz que a gente só vê no nordeste.

Encontrei meu tio avô preferido, coincidentemente, no meio da rua. E voltamos para casa conversando. Ele já viveu tanto, e sua memória... como é divertido conversar com um senhor tão inteligente e tão experiente. Conversou sobre lugares do Brasil como se já os tivesse vivido, mas tudo ele descobriu lendo. Totonho. Sempre gostei do seu nome, sempre gostei das suas história. Estava com muita saudades. Às vezes a gente só se dá conta do quanto algo fez falta quando o vivencia novamente. Entrar na casa dele, rever minha tia e olhar junto com eles pela varanda dos fundos da casa para a mata que se estende ali é como um carinho numa memória antiga, um aconchego no coração. Um lugar seguro.

A cidade mudou... Há asfalto. E uma nova linguagem arquitetônica. Diferente de tudo que eu já vi, uma contemporanealização da construção tipicamente nordestina. Azulejo na fachada ainda embora num desenho muito simples, a uma novidade de marquises na casas aqui e ali, para proteger a porta - aquela entrada antes de entrar. Tudo concreto. Muito vidro. Eu imagino quanto ar condicionado... Muito muda em seis anos.

E disseram que eu mudei!

É. Eu acho que eu mudei também, sim.

Sabrina Vieira
Enviado por Sabrina Vieira em 05/05/2015
Reeditado em 05/05/2015
Código do texto: T5231071
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