AMOR

O amor possui múltiplas facetas, mas todas elas são aderentes a um bem querer, a certo grau de altruísmo, e devem estar sempre temperadas com alguma racionalidade. Um amor sem bem querer, altruísmo e racionalidade pode ser tudo, mas com certeza não será amor, pode até ser bem-intencionado, todavia passará ao largo de um verdadeiro e humano amor.

O bem querer talvez seja, de longe, a característica mais fácil de ser percebida em quem verdadeiramente ama. Se amo, quero bem. Sob qualquer ponto de vista, se não desejo sinceramente o bem, não amo.

Se amo a minha existência, por certo quero bem para mim.

Se amo meus filhos, com certeza quero bem a eles.

Se amo minha esposa, bem quero a ela.

Se amo meus pais, quero bem a eles.

Se amo meus amigos, decerto quero bem a eles.

Se amo alguém que sofre dores físicas, morais ou mentais, quero bem a este alguém.

Se amo um estranho, por certo desejo o bem a este estranho.

Se amo alguém que não comunga comigo de minhas crenças, que é diferente em alguma referência, com toda certeza devo querer bem e respeitar esta pessoa.

Se amo alguém que de mim não gosta, ou mesmo que pareça ser meu inimigo, me é evidente que deva desejar o bem a este ser.

Assim, por decorrência natural, somente posso amar a todos os irmãos em espécie se bem quiser a todos eles. Isto por si só já é um desafio enorme, e deve servir de ponto de sincronismo conosco mesmo para verificarmos o quanto estamos realmente preparados para amar a todos, ou se falamos apenas como forma de demonstrar aquilo a que não estamos dispostos a pagar seu verdadeiro preço.

Certo grau de altruísmo é necessário também para amar verdadeiramente. Entendo que seja variável o grau de altruísmo presente em nós, para cada “tipo” de amor, mas crer que possa verdadeiramente amar sem a verdadeira contrapartida da disponibilidade pessoal, por um altruísmo digno e sincero, é acreditar que podemos amar sem a doação de parte de nós para com os irmãos, sem um comprometimento real de ser menor do que todos, sendo enorme pelo amor que professamos e realizamos. Assim, sempre é necessário algum grau de altruísmo para realmente amar. Tenho que estar disposto a algum sofrimento, a alguma perda de mim mesmo, ou a uma capacidade de doação do que sou, pelos outros e para os outros, desde que verdadeiramente ame.

É certo que por nossos filhos, o grau de altruísmo será máximo. Por nossos filhos entregamos de muito bom grado nossa própria vida. Como comentado, o grau de altruísmo varia, e com certeza diminui proporcionalmente ao desconhecido, entretanto nunca pode chegar a não existir. Para aqueles a quem menos conhecemos poderemos ter menor altruísmo, mas por amor, se realmente amo, sempre será necessário um certo grau de desprendimento, entrega, doação, e assim algum altruísmo.

Uma racionalidade sincera e séria é necessária no amor. Amar não é um ato às cegas, e nem pode ser. Amar sem um bom tempero de razão é se entregar ao desconhecido. Não posso, e não devo amar sem a capacidade de uma análise crítica, lógica e racional. A razão não deve se sobrepor ou desprezar o amor, como também o amor não pode sufocar ou relegar a razão. Amor e razão são uma espécie de siameses no qual um equilibra o outro, um reforça o outro, aquele tipo de simbiose em que o resultado dos dois se reforçam.

Apesar de o amor ser algo nobre e lindo, ele é hormonal, ele é resultado do status momentâneo de nosso circuito cerebral, assim passível de todas as falhas e bugs que nossa mente, evoluída sem nenhum tipo de projeto, possui. O amor não é algo universal ou transcendental, ele não ocupa o espaço, ele não está fora de nós, ele requer trabalho, esforço, comprometimento, e vontade para ser construído e mantido. O amor, como a felicidade, a tristeza, a bondade, ou mesmo a maldade, são naturais (no sentido de que nosso circuito cerebral os permite, não no sentido de que já nascemos plenos de amor, alegria, tristeza e etc.), imanentes, e emergem da complexidade de nosso cérebro, como uma característica mental, por isto, a razão deve estar o máximo de tempo possível alerta para uma análise crítica e lógica do que estamos sentindo, do que desejamos fazer, ou do como vamos nos doar pelo bem querer, evitando sermos presas de nossos próprios preconceitos, dogmas, ou falácias mentais, que podem nos levar para lugares que não gostaríamos de ir, ou que não tenham nada a ver com dignidade humana e social, e assim nada tenham de amor verdadeiro. Isto por si só em nada minimiza a importância e a beleza do amor, isto em nada relega o amor a uma causa perdida, ou a uma falácia mental, ao contrário, mais valoriza nossa existência, exatamente porque somos nós os responsáveis diretos pelo amor que sentimos e construímos. O amor fica assim mais valorizado exatamente por ser algo mental, neuronal, humano e animal. Somos a causa e a consequência do amor que construímos. Quer algo mais digno do que ser responsável pelo sentimento de bem querer, de altruísmo, de respeito, de compromisso, e racionalidade, que fazemos convergir para fazer do nosso sentimento um verdadeiro panteão de amor? É totalmente minha a responsabilidade de construí-lo, pois ele para ter existência em mim, depende totalmente de mim, e apenas dentro de mim ele pode ser realizado em meu viver. O amor é sempre um ato em primeira pessoa, e nada espera de retorno. Amo porque amar é digno, pois do caso contrário seria uma troca e não um amor. O amor é meu e de mim depende, não dependendo de nenhuma entidade externa aos meus seres, seja ela mística, sobrenatural, transcendental, ou mesmo de outro ser humano, amo porque quero e porque dignifica a humanidade que deveria me mover, e que deve me diferenciar das demais espécies de animais, não porque seja eu melhor, mas porque o amor nos qualifica como humanos. É bom comentar que outros animais têm demostrado algum nível de altruísmo e de bem querer, mas no ser humano, por uma característica própria da sua evolução selecionou cérebros mais preparados para amar, e infelizmente também para odiar, assim é nossa responsabilidade fazer a escolha e não se omitir.

O amor sem razão é tão ruim ou pior ainda do que uma razão sem amor. Um completa o outro. O amor é lindo e nobre, é natural, e emana de dentro para fora. Mais lindo ainda ele é por ser um sentimento imanente, cuja origem é material, e cujo alcance transcende em muito nosso próprio ser, devendo ser seu alcance, aí sim universal.

Não sei se verdadeiramente aprendi a amar, mas posso balizar facilmente o que sinto, se verdadeiramente tiver a ousadia de confrontá-lo com quanto bem quero meus irmãos, quanto de altruísmo teria por estes mesmos irmãos, e o quanto invisto de razão crítica e lógica para manter, dar direção, e suporte a este amor.

Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 20/05/2015
Código do texto: T5248437
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