intenso.

Sinto-me submersa nos meus próprios pensamentos... Não que, eu nunca houvesse estado nesse transe anteriormente, mas agora é diferente. Uma vez que você se torna a própria intensidade, uma vez que cada respiração sua é intensa, uma vez que cada reação química no seu corpo é intensa, uma vez que o seu olhar sobre tudo no mundo é intenso, você não tem volta. Esqueça o olhar comum e sem graça de antes, esqueça as palavras simples que por si só tinham seu significado explícito e óbvio, esqueça a forma de respirar normalmente como se você nunca fosse morrer, esqueça a tranquilidade do sono, os sonhos bons e pacíficos, nada disso agora irá te assombrar, nada disso fará a menor falta, nada disso existirá no seu corpo ou mente. Uma vez que sua alma é condenada à intensidade, você é condenado à ser duas coisas ao mesmo tempo e o tempo todo. Sem restrições, sem exceções, sem explicação, você sorri com a boca, mas o sorriso não lhe toca os olhos, você força seu corpo à levantar, mas sua alma permanece em repouso na cama, você anda em frente, sempre em linha reta, mas nunca parece que você progrediu, nem parece se quer que você seguiu em frente. Você anda mil passos, mas nunca dá em si um único passo que possa mudar tudo. E quando, enfim, você faz isso, tudo mundo drasticamente...

O modo como você respira, seu peito subindo e descendo, parece tão simples, mas você sabe que tem que controlar a respiração antes de ter um ataque de risos ou um colapso choroso; o modo como você sorri e cada músculo do seu rosto dói, porque é um sorriso forçado, é um sorriso automático; o modo como a paisagem parece torturante e ao mesmo tempo relaxante, porque olhar pela janela é melhor do que procurar um rosto conhecido na multidão, porque olhar o céu azul desta manhã de domingo parece melhor do que procurar um certo par de olhos por aí; o modo como o horizonte é longe, distante, e mesmo assim não é único, ainda há a probabilidade de milhões de outros horizontes, e às vezes a visão nunca é longe o bastante pra você entender tudo naquele ponto de vista; O modo como olhar para algo profundamente, mas sem conhecer isso à fundo, ainda é tão superficial quanto olhar uma cidade inteira por cima, dentro de um avião e achar que isso já lhe dá a liberdade para dizer que conhece tal lugar, quando na verdade, você tem pelo menos 200 becos pequenos e estreitos com suas próprias histórias, 50 sacadas históricas com seus vários pontos de vista, 77 terraços com seu próprio jeito de dizer que aquela parte do céu vista de cima dele é totalmente sua, porque, na realidade, nós nunca conhecemos nada, nem nós mesmos, porque quando achamos que estamos no fundo, nós ainda conseguimos nos surpreender ou aterrorizar com o fato de que podemos nos afundar mais sete palmos da terra, porque ser racional implica em trabalhar só e somente com os fatos comuns de todos os pontos de vista possíveis, porque ninguém realmente conhece alguém tão bem, ninguém conhece ninguém profundamente, ninguém sabe dos seus demônios interiores, ninguém sabe como é a cor do céu pelos olhos de outra pessoa, ninguém sabe qual o ponto de vista certo a se defender, ninguém sabe como conhecer-se intensamente. E ninguém sabe ser intenso... Não por escolha própria, nem por conta da vida, mas é porque é sempre mais fácil ser superficial, estar com o corpo submerso embaixo da água morna da negação e negligência humana, mas ainda se permitindo deixar o rosto para fora da água, e tendo a consequência de aguentar o frio que faz fora dali... É sempre e eternamente mais fácil estar assim, do que realmente e totalmente submerso, ou totalmente fora da banheira de água morna.

E ser intenso se trata de ser das duas extremas formas de encarar a vida, você está o tempo todo nu e fora da água morna, longe da banheira , encarando o frio, o gelo possuindo sua pele, tocando seus ossos, consumindo seu sangue, e ao mesmo tempo, você se sente tranquilo e pacífico, como se estivesse no seu mundo particular, submerso na água quentinha e acolhedora, sentindo-se seguro, sentindo-se protegido, e ao mesmo tempo tão vulnerável à tudo, e ao mesmo tempo muito resistente à qualquer dano, e sempre desabando por todas as coisas intensas que você se permite sentir, e se despedaçando em mil pedaços, cacos, estilhaços, e se refazendo novamente ainda mais forte do que antes, e tudo é sempre assim, o tempo todo.