A Maria Fumaça do Inferno

O mundo parece parado, lá fora, no céu azul, pássaros voam em destinos diversos. Mas algo aqui dentro nesse quarto branco transmite morte, grita morte e me aprisiona em suas cadeias de dores. Da janela vejo tudo, os trilhos vazios, o esgoto, os ratos e os barracos caídos, esquecidos de tijolos. Nada acontece e tudo estremece. Abandono os sentidos, abandono o contato e vivo somente assim... imerso em mim, doente não declarado, um estrangeiro ilegal em terras mal quistas, é assim que consigo ainda todas as manhãs levantar e fazer qualquer coisa que dê algum tipo de sentido para o que há ao meu redor.

A Maria fumaça corre mais uma vez, o barulho de seus passos logo toma conta de todo o ambiente, ela é grande e os homens atiram pedaços de madeira para atiçar o seu movimento. Vai o monstro de ferro cortando a minha vista naquele instante, levando os meus olhos a segui-lo por seu destino traçado até o inferno da insensatez do esperado. Quem sabe a sua fúria não faça alguma diferença nesses destinos que se irritam, entrecruzam e se repelem.

O chão do meu quarto treme e ainda sinto a dor do abandono. Tentei libertar-me da culpa de não ser uma pessoa melhor para os outros, mas o tempo lembra-me dos destinos que caem junto com as folhas do calendário. No escuro que há embaixo de minha cama vozes esquisitas chamam-me para deitar e eu sei que logo não haverá outra escolha, sei que amanhã ao levantar ninguém irá me esperar com um sorriso, sei que estou sozinho e com o mesmo anseio por muito e me enganando com o pouco.

Na medida em que as horas passam os livros que deixei no canto de meu armário perderão o sentido, as viagens nos ônibus todos os dias, cruzando a baixada, não serão mais nada... muito menos os diálogos banais, sem profusão. O instante lembrará que ao fim dos sonhos, ao fim dos planos dos quais nunca irão se realizar serei eu e a culpa, eu e a sina de viver pesado carregando as feridas que deixei serem marcadas em minhas costas.

Mas ainda quero escrever um Ultimo Final Feliz no fim desse relato, quem sabe aja alguma coisa importante no fim desses trilhos. Não quero ser o parasita que suga do ar toda a vontade de vida e a devolve em morte. A Maria Fumaça vai partindo. Durante os segundos finais que a fito o mundo começa a recair vazio. Olho ao meu redor e tento retomar a minha força, pois numa poesia que escrevi estava escrito o seguinte: “ainda não morremos, ainda não cessamos”. Fecho o pdf e saio do mundo branco e das vozes de condenação, há um sol e um novo dia e nessa calçada, sozinho com a mão no bolso recomeço outra vez.

Josué Viana
Enviado por Josué Viana em 20/12/2015
Código do texto: T5486056
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