Fascínio

O suicídio e seu silêncio. Emudece sem dar chance de resposta. É um retrato mal revelado de nós mesmos. Aquilo que ainda nem chegamos a ser, e depois de agora, jamais seremos.

Me matei no carro, antes de qualquer encontro. Esperei sem pressa para abrir a porta e vê-la entrar, como quem conta os passos de uma partida.

Me matei enforcando as palavras que gritaram sozinhas.

Me matei pouco antes do amanhecer.

Me matei nas águas claras de um mar vazio.

Meu retrato ficou encostado, procurando espaço onde eu não habito mais. Eu não estarei mais aqui. Não estarei no quarto, na janela. Não estarei no trânsito, nos ternos. A vida segue com força, com a mesma força de um parto, que não espera oportunidade para nascer.

Me matei no quarto, com vinhos e cinzeiros, não sabia meu lugar entre eles. Meu cobertor ainda tem meu cheiro, meu sono, meu cansaço.

Me matei sozinho, porque para sair daqui é preciso estar completamente sozinho.

Acho que morri como se estivesse nascendo.

Minhas chances e gavetas ficaram fechadas. Minhas mágoas, também. Ainda fazia frio, mas a pele não sentia, não ardia. Os olhos não choravam. Por Deus! Quando foi que meus olhos desaprenderam o caminho das lágrimas?! Arranquei meus pedaços, tropecei nos restos.

Apertei o gatilho! O diálogo infernal da mente, como uma sombra, percorre o mesmo caminho, repetindo os meus gestos, numa sintonia perpetuamente singular e difusa. Meus olhos de criança choravam. As alianças eu deixei no mesmo lugar. O amor palpita e todo mundo sente, mas alguns não se alimentam, alguns morrem de fome. O colo, o seio, o grito abafado de quem ganhou a vida, derrama na minha decisão.

Me matei e uma faca cortou cada oportunidade perdida.

Estou tão dentro que posso atravessar-me. Meu corpo encontra um abismo mórbido, uma altura infinita. Meus filhos esperarão por mim. Meus amores, também. Acostume com meu atraso diário de nunca mais chegar. Não estarei nas cortinas, nas almofadas. No banheiro abafado, na água quente. Não estarei nos aniversários. Acostume com meus planos inconclusos, minhas roupas sujas. Se acostume com meu corpo enrijecido, meus olhos quietos. Se acostume com meu cansaço de continuar. Meu sangue, ora derramado, ora procurando voltar para o mesmo lugar.

Me matei, e uma plateia inteira me aplaudiu. Fui ovacionado por lágrimas.