Marte em câncer

As emoções me são muito confusas. Quero tudo, o tempo todo. Tenho o ontem e o hoje dentro de mim. Tenho a estagnação e o impulso; a casa e a rua. Minha defesa é o não-ataque. Não é que não saiba me defender, mas aprendi a bancar o morto para comer o coveiro. E assim vou trazendo o passado para o presente, estragando-o como tinta sobre um documento importante. Só eu sei o que guardo e porque guardo. Só eu sei o quanto me dói manter vivo algo que deveria estar morto. E quando acesso esse banco de dados, eu machuco o meu pseudo-adversário, muitas vezes sem perceber que isso também machuca o meu nativo. Vou baixando a guarda aos poucos, mas nunca definitivamente, pois sei que o mundo não é como eu queria que fosse. Idealista? Sim, um pouco, mas não a ponto de acreditar completamente. O amor é algo lindo, bem mais do que visto; sentido. E é em nome do amor que eu recuo em muitos momentos. Só que quando a raiva aparece de novo, eu retorno com força total e o efeito disso no organismo do meu nativo é terrível. Isso, a curto prazo. A médio e longo prazos, eu vou corroendo os bons momentos. Sabe aqueles cheios de gratidão, respeito e felicidade? Já eram quando eu me enfureço. Fico só observando, já que sou tão introspectivo, os outros guerreiros agirem. Alguns agridem verbal, outros fisicamente. Outros abraçam ironias atrozes para atingir o opositor. Há ainda aqueles que criticam, subjugam, controlam e até torturam o inimigo. Eu, não. Fico ali esperando a oportunidade para atacá-lo. E faço disso uma arte, pois sou silencioso e vou corroendo a mim mesmo e ao outro. Sempre escondido, eu posso aparecer numa mesa de jantar, ou numa sala de aula. Posso até aparecer durante uma relação íntima de um casal em crise. E não é porque minha força é feminina que sou menos ácido; não mesmo. Eu consigo recordar os erros mais marcantes e azedo os relacionamentos. Amigos já brigaram, assim como aqueles seres de sorriso largo que costumavam andar de mãos dadas pela rua. Não poupo ninguém; nem mesmo aqueles que amam a dor. Faço com eles o que quero, pois atinjo seus estômagos frágeis e os ouço reclamando disso. Meus filhos são lentos para o perdão, pois não têm pressa em atingi-lo. Sei que ele é o período quando eu saio de cena; é quando eu tiro férias. Na verdade, é quando eu deslizo, saindo pelos poros dos que me guardam. Ah, o perdão… É nessa época em que eu consigo me transformar, afinal, sou feito de fases, apesar da força do vermelhinho. E essa transformação faz do meu portador um ser melhor. Vejo-o abraçando com sinceridade os seus amigos perdoados, seus irmãos queridos e seus amados cônjuges. É no perdão que eu me acalmo e dou alívio aos meus filhos e a seus entes. Sou queda, mais como tudo, tenho meu lado positivo. Sou água e fogo ao mesmo tempo, por isso, tenho o ardil e a agressividade em mim. Sou uma corrente elétrica e também a turbulência do mar. E felizmente a água muda, assim como a lua, assim como os sentimentos. E eu vou passando da minha agressividade passivo para um sono gostoso, ainda que leve.

Tom Cafeh
Enviado por Tom Cafeh em 09/03/2016
Reeditado em 10/12/2019
Código do texto: T5568787
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