Psicografia nº 18 - Observação cotidiana
A chuva é eterna. Somente a chuva é eterna, de uma beleza surreal.
Ontem, depois de muitos anos, vim andando para casa debaixo de chuva. Foi relaxante; pisava nas poças de água com a maior vontade do mundo, espalhando-a em todas as direções e molhando o meu sapato.
A chuva embala o sono do meu gato. O que será que ele sonha? Ele reconhece que a chuva é chuva? Ele me reconhece?
É uma melodia agradável, o som das gotas grossas de água vindo cumprir-se na minha janela metálica; o som da chuva caindo no chão do quintal, em cachoeiras.
Agora, eu sou alguém sob a chuva. Alguém que faz uma prece à chuva: a água que escorre pelo meu corpo leva consigo a tristeza, purificando-me para o momento final. Tu, chuva, que já foste rio, lava meu corpo do mundo; lava o mundo de si.
Vai chover, no dia de minha morte. Vai relampear ao longe, como agora. O vento irá soprar forte, vigoroso. E eu estarei me despedindo... Como será a última chuva de minha vida? Eu, por caso, saberei que será a última? Espero que sim, para que eu possa ir até a janela, olha-la do início ao fim.
Somente a chuva é eterna; a sua eternidade me ultrapassa, e está fora do meu alcance. Só morrerei por não saber o mistério que a chuva encerra; mas sei que é mistério, sinto.