Psicografia nº 9 - À noite, quando passo

À noite, quando passo, reparo que há um buraco a um canto da rua. Obras. O mesmo ônibus, o mesmo assento, o mesmo trajeto. O automóvel passa rápido; as luzes parecem que estão se dissolvendo... o mesmo solavanco. Alguns levantam, vão saltar. Os corpos sempre em movimento. Partimos novamente... estamos atravessando uma avenida, cortando o vento, que me chega pela janela. Meu olhar vidrado... meu corpo acompanha o movimento do automóvel. Mas, veja, os detalhes... lentamente... se me revelam. Parece que só agora eu percebo os detalhes... lembro de que todos nós somos constituídos por pequeninas partículas. Mesmo não as vendo, é como se pudesse senti-las. As partículas. Os detalhes. São tantos... tudo, tudo com seu devido detalhe, no seu devido lugar. Os corpos se encaixam, porém, nem sempre. Alguns me saltam aos olhos. Outros parecem escondidos. Aí penso que há tantos outros detalhes a serem desvendados... tanto ainda por acontecer... tanto detalhe a acontecer. Vem à mente as coisas que li de La Bruyère, mais especificamente uma frase sua. Segundo ele, tudo já havia sido dito, tudo já havia acontecido. Mas, não é exatamente isso que eu penso, agora, olhando o movimento dos carros que passam ao nosso lado. Eu sei que algumas pessoas hoje devem pensar a mesma coisa que ele pensava há tantos séculos atrás. Eu acho que só é assim por que elas não olham atentamente ao redor. Quero dizer, corriqueiramente, pensamos (se pensamos) que tudo parece já ter acontecido. Mas, quem tem a chance de dar uma volta no centro da cidade, à noite, assim, e concentrar-se para ver o que aparentemente é invisível (falo do comum), vai notar os mesmos detalhes que eu notei. São detalhes. Minúsculos detalhes formando tudo, enviando milhões de informações para o nosso cérebro, comunicando-se conosco. À noite, os detalhes se revelam. Desabrocham. Saem da toca. Os detalhes vêm banhar-se à luz da lua. Vêm banhar-se no movimento dos corpos, das luzes, dos corpos de luz. Quem notar essas coisas, vai sim pensar que o que foi falado, até agora, pode até não ser nada, pode até não ser tudo, mas ainda assim é pouco.

Rosiel Mendonça
Enviado por Rosiel Mendonça em 20/07/2007
Reeditado em 07/08/2007
Código do texto: T572992
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