Psicografia nº 5 - É como um jorro de sangue
É como um jorro de sangue; um transbordamento da mais primordial essência... E é também como um grito para dentro, engolido em seco, que desce rasgando meus canais. Mas, quem dirá que é um grito contido, amargado durante anos? Quem diria? Ninguém diria, simplesmente. Porque o meu teatro foi perfeito e as atenções sempre estiveram e não estiveram sobre mim: ora sim, ora não, ora sim. Simplesmente porque meus movimentos sobre o palco eram milimetricamente acertados, sem qualquer ruído estranho, passo em falso. Ninguém diria: simplesmente porque o constante uso de adjetivos, pronunciados por uma boca feroz, os deixava em transe, ludibriados (os espectadores). Mas lá, lá dentro, a coisa me caía como uma faca, o peso de um martelo. Lá dentro era um rebuliço de... Sem ruídos. O meu dentro não alcançava lá fora – ou será que era o lá fora que não alcançava o meu dentro? Nem sei mais... Também, que sei eu?! Ao inferno com o lado de dentro e o lado de fora, que parecem não terem sido feitos para se encontrarem! Basta!, com essa sineta! Pare já com os instrumentos! A banda que pare de tocar. Acabe tudo. Acabou-se a encenação. Lentamente... acabe. Para que, sobre o palco, reste apenas eu. Eu mais minha serenidade de coisa morta, imerso numa semi-escuridão, com minha luz a se diminuir – aqui falo da minha própria luz, aquela que se irradia do meu corpo -; eu aceitando o momento, só aceitando o momento, até que o que me reste seja apenas um silêncio brutal, daqueles que se vai buscar por sobre as montanhas inacessíveis; um silêncio cujo peso se faz a partir de nós mesmos. É desse silêncio que falo. O silêncio que nunca ninguém no mundo conseguirá traduzir em palavras, porque chega a ser um silêncio próprio de cada pessoa, chega a ser um som, foi o que disse, que nasce dos profundos embalos da terra e brota no topo de tudo. O sangue é apenas a natureza manifestando suas forças em mim.