Flash: Rápido o bastante

A série Flash vem revolucionando o universo dos super-heróis. Heróis da DC como Superman e Batman já estão envelhecidos. O Superman reflete uma perspectiva totalmente propagandística, o herói nacional dos Estados Unidos, representante de seus valores e de sua potência, muito adequado ao período de disputa política e ideológica do entreguerras, da Segunda Guerra e da Guerra Fria, mas totalmente deslocado num mundo globalizado e de relativismo pós-moderno. O Batman é um anti-herói, luta motivado pela vingança pela morte dos seus pais, e combate o crime gerado por um ambiente de miséria e desigualdade da cidade de Gotham que ele como bilionário ajuda a criar. Fez muito sucesso nos anos 90, auge do neoliberalismo e da lógica individualista e punitivista que a figura do justiceiro representava. Já o Flash é um jovem nerd, que ama a família e os amigos e que está sempre disposto a se sacrificar, é o equivalente do Homem-Aranha da Marvel no universo DC. É um herói necessário nesses tempos de crescimento do fascismo no mundo e do sadismo que serve de combustível a essas psicoses coletivas que assumem a forma política.

O episódio "Rápido o bastante" da primeira temporada é o desfecho da história que tem início com o assassinato de sua mãe pelo seu maior inimigo, o Flash Reverso. O Reverso propõe a Barry Allen que ele volte no tempo e salve sua mãe e crie as condições para que ele, Reverso, possa voltar pra casa, mais de 100 anos no futuro, criando um portal no espaço-tempo, um buraco de minhoca. O Flash viaja no tempo para salvar sua mãe, mas o seu eu mais velho, o Flash do futuro, que salva o Barry criança de ser morto pelo Flash Reverso, lhe diz para não mudar a história. Então, Barry não impede o assassinato de sua mãe, se despede dela e volta para o presente para impedir o Flash Reverso de concretizar seus planos. Esse episódio resume toda a série, os eventos passados e os eventos futuros. É a partir do buraco negro criado pela viagem no tempo do Flash que se abrem passagens para outros universos, para infinitas Terras. O buraco negro é fechado, mas as passagens para outro universo paralelo não. No curso de uma nova luta, Barry fica preso na Força de Aceleração, num dos melhores episódios da série, na segunda temporada, "O Fugitivo Dinossauro", e a Força de Aceleração, que deu ao Barry seus poderes, lhe diz que ele é o Flash, que só ele pode proteger o Multiverso do mal e que ele não é um deus e que nem ele pode impedir as tragédias da vida. Ele retorna e vence mais um desafio e mais um inimigo, mas ao perder o pai e a mãe assassinados, ele volta no tempo e decide salvar sua mãe, buscando uma vida feliz. Isso culmina no primeiro episódio da terceira temporada, o "Flashpoint", história que marcou os quadrinhos e rendeu uma animação da Liga da Justiça. Mas as repercussões negativas do Ponto de Ignição, da nova linha temporal criada pelo Flash, o fez retornar ao passado e restaurar os acontecimentos como haviam se dado antes com a morte de sua mãe. No entanto, o presente não estava o mesmo, porque alterar o passado fez com que mudanças ocorressem, mesmo impedindo a modificação daquele primeiro evento, criando-se assim outra realidade alternativa. Nesse caso, diferente de "Superman: o filme", em que o Super-Homem salva Lois Lane, mudando o curso da história humana e contrariando a interdição imposta pelo seu pai kriptoniano para que ele não agisse como um deus, sem que haja maiores consequências, as ações do Flash têm consequências. Aliás, todas as decisões e ações dele na série têm consequências, como o "Grandes poderes, grandes responsabilidades" do Homem-Aranha. O que motiva o Flash não é a vingança nem a luta por uma verdade e justiça abstratas, mas a responsabilidade pelos seus grandes poderes, que lhe foram concedidos com um propósito, e a culpa por cada um dos seus atos, por tudo aquilo que faz e deixa de fazer, porque mesmo sabendo que não é um deus, ele não pode evitar, porque é um herói que se importa com as pessoas. Um belo modelo para os dias de hoje.

O Flash é rápido o bastante. Com sua supervelocidade ultrapassa a velocidade do som. E protege as pessoas. Trabalha em equipe. E está sempre disposto a se sacrificar pelos outros, pelo que é certo, por um bem maior. Que bom que a televisão ainda é capaz de produzir e transmitir isso e que um programa desses possa dar audiência em meio a tantos entretenimentos sádicos e perversos na TV que contribuem para degradar a alma das pessoas. Então,corre, Barry, corre!