Psicografia nº 3 - Houve uma revolução em mim

Houve uma revolução em mim. Acordei revolucionário. Acordei revolucionado.

Deixei de sentir algumas coisas. Deixei de sentir nas pontas dos dedos o que estava solto no ar. Parei para esperar. E a única que me vem agora no momento é o fato de eu ter deixado de sentir. O olfato, talvez, tenha enfraquecido. Deixei algumas coisas para trás. Desisti de outras. Cansei, também.

É enquanto estamos esperando, no entanto, quando estamos despreocupadamente à espera, que as coisas acontecem, ou melhor, é quando as percebemos – por que as coisas sempre estão acontecendo. Estava eu à espera e tentava captar só com os olhos os milhõezinhos de acontecimentos que estavam à flor da pele das pessoas ao meu redor e à flor da matéria que me cercava. Havia um cachorro logo ali. Um vira-lata, que respirava com dificuldade, como se a qualquer momento uma respiração mais profunda o fosse dilacerar o peito, a vida. E percebo que tudo ao redor não passa de uma dilaceração da vida. A vida se rompendo mais e mais a cada segundo que passa, banhada nos pequenos acontecimentos.

A espera é milagrosa. Todo pequeno acontecimento é um milagre que brota no topo de tudo. Meus olhos alisam o que vejo, desviam-se, reviram-se, aprofundam-se e detêm-se. Meus olhos são o topo de mim. É por onde eu me transbordo, culmino, e por onde algum dia hei de me escapar por completo. O milagre da espera é uma fuga, por assim dizer. É a fuga para a própria espera.

Tudo é milagre, tudo são flores, tudo são olhos. Em mim há tudo isso: flores, olhos e milagres, muitos milagres. Porém, meus milagres são silenciosos, acontecem em silêncio e durante o sono, de preferência. A espera tornou-se um quase-sono. O milagre está acontecendo em curtíssimas revoluções.

De súbito, acordei revolucionado, claramente desperto.

Rosiel Mendonça
Enviado por Rosiel Mendonça em 04/08/2007
Reeditado em 07/08/2007
Código do texto: T592749
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