Possibilidades...

Um dos meus eus pergunta a outro eu, certa noite antes de dormir, ambos vagando pelos becos indecifráveis da minha mente:

- É possível inovar dentro da escrita acadêmica?

- Olha... - não respondi logo porque faltou-me palavras - sempre há possibilidades de inovação, senão seríamos os mesmos de algum tempo atrás. Escreveríamos da mesma forma.

- Mas é que... se misturamos os ingredientes para causar um efeito diferente, somos, de pronto, repreendidos! Eu mesmo, quando despejei uma dose de poesia nos meus escritos, sofri na pele a repreensão.

- É porque você deve ter exagerado! Nós temos que perceber que o outro tem um universo diferente de experiências precipitantes que contam ponto quando esse outro vai experimentar a sua mistura.

- Quer dizer que a nossa resposta, a nossa inovação tem que ser um pouco condicionada?

- Eu não diria condicionada, mas permeada pelos pressupostos sócio-culturais e pelas leis de cada ''cozinha''.

- Certo. Então, o meu bolo tem que ter um pouco desses pressupostos que você falou. Não posso fazer um bolo só para eu comer? Do meu jeitinho?

- Aí não haveria uma resposta social. Você não saberia se o bolo ficou legal e tal, se você poderia trocar receitas com outros e assim por diante. Não haveria ressonância, entende?

- Acho que agora eu entendi. Quer dizer que só posso inovar se for com um grupo?

- Olha, eu creio que para inovar e ser aceito numa determinada ''cozinha'', você precisa ter um respaldo de outros cozinheiros famosos ou quem sabe até desenvolver seus argumentos bem consistentes sobre determinado acréscimo de ingrediente...

- Ah! Chega! Cansei de tentar entender essas coisas! Vamos descansar um pouco, pelo menos até vir o sonho. Porque mente vazia é um pouco complicado. É como uma favela, com tantos becos estreitos, sem um pé de gente! Já viu?

Paramos de conversar eu e um dos meus eus.

Felippe Serpa
Enviado por Felippe Serpa em 14/10/2005
Código do texto: T59715