Sobre ser escritora

Um dia, enquanto conversava com um daqueles aprendizes de escritores, ouvi que eu nunca seria uma escritora de sucesso porque não era comprometida com a escrita. Porque eu tinha hiatos gigantescos e assustadores e era submissa à minha inspiração: que é o mesmo que não se responsabilizar pelo ato de escrever porque, para ele, escrever era um processo diário e infinito.

Por muitos dias acreditei que o que foi dito era verdade absoluta, pois vinha de alguém experiente, cheio de citações e argumentações literárias.

Mas hoje entendo que escrever não é sobre estar comprometido, mas sim de encontrar-se com ela, seja em um ato de choque que ative os músculos em defesa e os ossos enrijeçam de tanto impacto, ou de forma abstrata, reflexiva e madura.

Todas as minhas tentativas de fazer a escrita virar uma atividade rotineira falharam. Quando não escrevia e me sentia uma mulher frustrada por não conseguir espremer o mínimo de mim, escrevia alguma coisa com muito esforço que depois de reler tinha a certeza de que aquilo não era meu. Como quando você tenta engolir um alimento por obrigação e ele desce arrebentando a faringe e dilacerando o esôfago.

Então hoje eu não marco hora com a escrita. Não tenho “um momento” e nem “um lugar” especial. Não tenho grandes acontecimentos que surtem a vontade extrema de escrever: às vezes é sobre o banal em que mais me debruço. Escrever é se abstrair. Eu saio de mim e deixo crescer.

Emanuele Rodrigues
Enviado por Emanuele Rodrigues em 18/05/2017
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