Acorda Everaldo!

Maria era uma mulher como muitas outras de classe média baixa, casada, mãe de quatro filhos, moradora de uma área não tão bem favorecida economicamente. Pra ser mais sincero, tal área não era nem minimamente favorecida economicamente. Maria levantava cedo, passava café, e colocava o pão na mesa; de vez em outra tinha manteiga, outras vezes não. Everaldo, seu esposo, levantava um pouco depois da companheira, pois havia aprendido que para o casamento dar certo a mulher teria que levantar mais cedo que o marido e se deitar mais tarde que ele, foi sempre assim, com os pais deles e com os pais dos pais deles.

Quando tinha, Maria até passava a manteiga no pão para o marido, e enrolava seu cigarro de palha também, alem é lógico de separar a roupa que ele iria usar. E assim repetia o ato cinco vezes, pois assim como o marido, todos os quatro filhos eram homens e tinham que ter alguém que os tratasse “com carinho”. E assim iam crescendo cada vez mais parecido com o pai. Infelizmente.

Após todo o ritual do “café da manhã”, ela ainda retirava a mesa, e recolhia as migalhas que poderiam ter sobrado sobre a humilde mesa, para deixar o ambiente pelo menos limpo e organizado. Lavava os copos, secava os copos, guardava os copos.

Pedia para os meninos trocar a roupa para que pudesse ir para a escola com o uniforme alvejado, coisa que ela já tinha feito antes, até por que alvejar roupa é trabalho para uma mãe fazer sorrindo. Depois que todos já haviam de ter saído de casa Dona Maria poderia então, tranquilamente tomar um café e comer um pãozinho (se ainda tivesse), para só depois poder ir trabalhar.

Agora Dona Maria já podia ir pra casa de sua patroa, era pertinho, se o transito ajudasse até as nove e meia ela já estaria na portaria do prédio no qual prestava seus serviços. Eram só três ônibus.

Chegando ao prédio, encaminhava-se para o apartamento 301, e já começava a limpeza, (não antes de preparar o cafezinho da “sinhá”); era chão pra lavar, vasilha pra guardar, almoço pra fazer, compras de supermercado, janelas pra tirar a poeira, crianças pra buscar na escola, ouvido pra ouvir as reclamações da “sinhá”... Ufa! Haja disposição... Mas Maria não reclamava não, pelo menos tinha emprego.

Final de expediente, corpo cansado, mente cansada, tudo cansado... Mais três ônibus pra pegar pra voltar pro seu “doce lar”, voltar em pé, por que nesse tempo certamente não havia mais lugar em nenhum dos ônibus para que ela pudesse sentar.

Desce da última condução, abre o portão: já tem menino na porta perguntando para a mãe onde está sua toalha, e outros lá dentro reclamando que estão com fome. E o marido? Este já está de banho tomado, com a TV ligada assistindo algum jornal, daqueles com bastante tragédia. Everaldo deve estar com fome, deve ter trabalhado bastante, serviço pesado. Bem que ele podia ter colocado as crianças para tomar banho, ou pelo menos lavado os copos que sujou quando chegou a casa... Everaldo, por favor, “né”, o que custa colocar a toalha molhada no varal? Mas o Everaldo ta cansado, trabalhou o dia inteiro, (certo que a obra que ele está fazendo é do lado de casa, e que com cinco minutos ele já está em casa) deve estar cansado.

Mas e a Dona Maria? Será que ela não está cansada de tanta labuta? Certamente. Será que ela não fica indignada em ver o marido deitado no sofá assistindo televisão enquanto ela ainda nem banho pode tomar e ainda terá que preparar o jantar que todos vão comer sozinha? Mas o Everaldo deve achar um absurdo ter que “ajudar” a esposa nos afazeres que são coisa de mulher.

Acorda Everaldo! Já está na hora de você ver que sua mulher também trabalha e que a carga horária dela é estendida. Acorda Everaldo! A coitada da Maria não é de ferro, ela cansa! Acorda Everaldo! Se com seus pais e com seus avôs era “normal” esse comportamento hoje não é mais. A Maria trabalha Everaldo, tanto quanto ou até mais que você.

Quantos são os “Everaldos” ou as “Marias” que nos cercam? Será que ainda precisaremos de muito tempo e de muito debate para que tenhamos uma situação de igualdade? Parece inacreditável convivamos com isso e que na maioria das vezes continuamos calados. É mais fácil pro Everaldo que a Maria se cale. Até por que se as “Marias” se calam os “Everaldos” fingem que tudo está normal, e com isso continuam sendo os “monarcas”. Igualdade não é questão de ceder a caprichos, é questão de reconhecer que todos, humanos que somos, temos as mesmas probabilidades de ficar cansados.

Não sejas tu “Everaldo” e também não sejam “Marias”!

Claudemir Evangelista
Enviado por Claudemir Evangelista em 28/11/2017
Código do texto: T6184244
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