O menino que não brincava

Vi outro dia um menino que não gostava de brincar com as outras crianças, pelo menos não parecia que gostava. Enquanto várias pessoas com idade aproximada a dele corriam no terreiro e conversavam, e riam, e cantavam. Ele permanecia quieto debaixo de uma árvore de gergelim, calado sem nem olhar para os outros. Tal fato me instigou bastante, sempre achei que a infância era feita para ser brincada, pra não ter preocupação pra comer doce, mas com aquele menino parecia que nenhuma das “regras de ser criança” tinha validade. Estava um tempo bonito, com um sol estridente, forte... O céu estava de um azul sem fim. Mas nem isso o animava.

Indaguei os outros se eles não haviam o convidado para participar de suas travessuras, algumas crianças sequer me deram atenção e continuaram correndo atrás de uma bola que agora era a diversão da meninada. Um, porém, que eu também não conhecia, veio até mim e me disse que todo dia era assim, que o “isolado”, segundo ele, chegava à pracinha, e ficava em um canto, não falava com ninguém e quando alguém dizia algo ele simplesmente ignorava. Fiquei com aquilo na cabeça, mas não pude fazer nada. Acho que não tive coragem de fazer nada, nem de ir conversar com ele. Não sabia como abordá-lo.

Fiquei mais um tempo ali observando todas as crianças, depois peguei meu paletó – não sei onde estava eu com a cabeça de trazer comigo um paletó com tão intenso calor- e fui para casa. Chegando a casa me esqueci por alguns instantes daquele menino, ou até mesmo de todos eles. Entrei, tomei meu banho, fui ler um pouco. Enquanto lia me veio à imagem daquela criança à minha mente. Estava muito curioso, queria entende-lo, para isso precisaria voltar no dia seguinte e se ele estivesse lá novamente, teria que ter sorte para que ele conversasse comigo.

No outro dia, levantei bem cedo e me coloquei a caminho da pracinha, ainda com um pouco de receio, pois não sabia como ele ia me receber, e ainda não sabia como iria abordá-lo. Mesmo assim fui com toda a coragem que tinha... Coragem que não era muita.

Felizmente antes mesmo de chegar ao local avistei o bando de crianças. Fui me aproximando até que pudesse ver a árvore de gergelim. Mas ele não estava lá, fiquei desapontado... Esperei cerca de uma hora (parecia um século). Quando já estava decidido a ir embora, vi se aproximando uma senhora, e com a senhora o menino que eu tanto esperava... Provavelmente a mãe ou uma tia.

Eles chegaram e eu fui até eles. A senhora parecia até bem humorada, o que diminuiu o meu receio, pois confesso que pensei que a mãe do menino era aquele tipo de pessoa que briga com a criança por tudo ou que não deixa a criança ser criança. Digo a mãe, por que após ter perguntado ela afirmou que era esse o seu grau de parentesco com o menino.

Ela estava com pressa, mal trocamos umas duas palavras e ela se foi, deixando lá o menino, que até então não pude eu saber o nome. Tentei puxar conversa com ele, perguntei qual era o nome. Ele nem me deu ideia, do jeito que estava permaneceu. Nem na minha cara ele olhou. Eu chato que sempre fui continuei na minha empreitada e tentei falar do tempo, ou das brincadeiras. Ele permaneceu calado. Tentei, tentei e nada...

Assim se sucedeu por vários dias, até em uma manha ele resolveu falar comigo. Confesse que nesse dia e nesse momento quis pular de alegria, mas não podia, lembrei-me dos tempos de estudo na faculdade em que aprendi que não devemos demonstrar manifestações de “estranheza” quando uma criança faz algo novo, pelo menos aos nossos olhos. Mantive-me externamente sereno. Ele foi direto e claro e me disse que não gostava de ter amigos, que não queria brincar com ninguém, e que detestava estar ali. Fiquei feliz por ter ouvido a voz dele, porém triste pela resposta que recebi.

Não sabia nem o que responder. Talvez perguntasse por que e não gostasse da resposta. Perguntei. Ele não respondeu. Respeitei o tempo dele. Afinal ele não era uma criança muito pequena na verdade percebi que ainda que fosse magrinho e baixo já tinha uns doze anos mais ou menos.

Nos dias que sucederam, sempre que eu podia passava naquele local, sempre no mesmo horário. Agora ele já começava a me cumprimentar. Não era nada caloroso, mas um “Oi” ele dizia. Como o passar do tempo ele começou a trocar umas palavras comigo, mas não falava sobre sua casa nem sobre sua família. Falava mais sobre sua antiga escola, e sobre seus antigos amigos. Fui percebendo que aquela criança tinha um medo muito grande de se apegar as pessoas, de ter novos amigos, por que segundo ele, os amigos sempre vão embora, e quando não vão é ele que vai embora. O menino era inseguro. E eu pensando que isso era coisa de adulto. Ele tinha receio de começar a brincar, a conversar a criar vínculos e ter que se despedir novamente.

Já não sabia se estava eu fazendo bem ou mal ao menino, pois provavelmente dali a pouco ele poderia partir novamente e ter uma nova frustração. Comecei a me sentir culpado. Mas continuei conversando com ele sempre que podia. Poderia ser que não fossemos amigos para sempre, mas queria ser o amigo dele enquanto eu pudesse ser.

Uma criança passa por momentos dos quais a gente, os adultos, nem imagina. Assim como os seus pais, tios e avós podem ter uma frustração tamanha que bloqueie sua vontade de comunicação. Muitos não percebem e deixam que os “isolados” continuem cada vez mais “isolados”. Frases como: “Ele é assim mesmo” ou “Ele não gosta de brincar” são muito freqüentes nesse tipo de situação. Não devemos ter uma postura que reafirme esse isolamento. Crianças não são mini adultos. A infância é uma fase de extrema importância de caráter fundamental, sendo um fator determinante para o prosseguimento das demais fases da vida humana. Crianças isoladas podem se tornar adolescentes isolados e, por conseguinte adultos isolados.

Claudemir Evangelista
Enviado por Claudemir Evangelista em 29/11/2017
Código do texto: T6185392
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