Colecionadora de corações

Ela era como um gato. Aproximou-se silenciosamente e lentamente, analisando. Resolveu ficar e sem tirar os sapatos, aconchegou-se, me acariciando delicadamente ainda que se espantasse e se afastasse quando eu tentava fazer o mesmo. Esfregava-se suavemente e repetidamente no vaso de meu ego. Aflito, tirava a de lá, mas aquele era seu lugar predileto. Com sua pata, o empurrou do alto da mesa. Ficou ali me olhando, curiosa, enquanto eu recolhia os cacos, com os olhos vazios e confusos de um gato quando apronta.

Ainda respirando e com um sorriso correspondido no rosto, entreguei em sua mão meu coração que batia alucinado, assim como vinha fazendo há um tempo. O sorriso se dissipou ao vê-la posicioná-lo em sua estante. Ali havia alguns outros, curiosamente belos e preservados, extraídos da mesma forma que o meu, o qual fora cuidadosamente retirado com minhas próprias mãos, pois era por estes que ela se interessava. Ela não tinha interesse por aqueles em que ela teria de sujar suas mãos. Quando olhou para mim, deitado no chão, seu semblante se tornou sério, e sem hexitar ela disse: 'você me deixou’. Virou-se para a porta, apreciou sua coleção e saiu.