O Vagabundo sou Eu!!! (Solilóquio)

– Eu queria viver.

– Mas, você não está vivendo?

– Sim. Mas queria viver a vida que me foi negada. Não pedi essa vida. Ela me foi dada. Não quero a miséria que passeia pela minha rua. Não quero a miséria que passeia no meu povoado. Não quero a miséria que circula por essa cidade que tinha tudo para ser a mais linda do mundo. Mas está aí, cheia de miséria!

– E que tipo de vida você fala que quer?

– Quero a vida bela que me prometeram. Onde está o Deus que o chamam de nosso Criador?

– Ele está no Céu.

– E será que está muito ocupado a ponto de nem ver o que acontece com esses pobres miseráveis?

– Hum! Você me pegou! Nem faço idéia!

– Eu não quero o sofrimento como pagamento – ou garantia – para ganhar o Reino dos Céus. Está vendo aquele Vagabundo ali?!

– Sim.

– Ele pede esmolas na porta da igreja. Ouvi dizer que ele já fez até cruzeiro. Sabe essas semanas que se passaram em que ele não foi visto por aqui?

– O que é que tem de estranho nisso?

– Você não vê nada de estranho. Mas você ri?

– Estou rindo porque não estou lhe entendendo.

– É! Semana passada - ouvi dizer - ele chegou de Paris.

– Paris?

– Sim. O Vagabundo não sabe ler, sequer sabe escrever o próprio nome. Como poderia conhecer Paris? Eu queria fazer uma festa a cada dia, não quero miséria como passaporte para ganhar o “Paraíso Divino”.

Coisa de existencialista do Século XXI? Olho ao meu lado e vejo a fome e a miséria no rosto das pessoas; enquanto os “puxa-sacos” de plantão estão almoçando com o “Ilustríssimo Senhor Presidente”. O miserável também quer o poder. O poder de ter um trabalho. O poder de comprar comida. O vagabundo quer uma camisa limpa, quer a sua vida de volta. Enquanto lhe é negada a felicidade na Terra, os bandidos – sim, bandidos – que estão no topo da pirâmide passeiam com todo seu cinismo lá pelo Planalto Central. Coisa de existencialista do “Terceiro Mundo”?

O Vagabundo sou eu!

O Vagabundo, é todo aquele que na própria Terra, se sente sem Pátria.

O Vagabundo sou eu, na imagem de uma criança faminta.

O Vagabundo sou eu, no olhar de uma mulher desesperada por ver seus filhos morrendo de fome.

O Vagabundo sou eu, na pele daquele que tem de viver “entocado” dentro de sua própria casa.

O Vagabundo sou eu, na pele daquela criança hospitalizada, cheia de hematomas, com as forças extinguindo a cada suspiro.

O Vagabundo sou eu, sentindo o calor de um cobertor caro embrulhado em meio jornais em frente a uma porta qualquer.

O Rei não está nu.

O Vagabundo sim.

O Rei está feliz.

O Vagabundo carrega sua miséria pelas ruas empoeiradas das grandes cidades. Já não se constroem escolas, somente presídios, verdadeiros amontoados de seres diabólicos fruto de uma sociedade falida.

A favela não precisa de Escola.

Pobre não precisa pensar, somente usar a força.

O Vagabundo sou eu. Sou o choro dos excluídos. Sou o choro dos fugitivos da seca. Sou o choro das vítimas de bala perdida. Sou o choro da criança vítima de violência sexual.

E ainda nos dizem que somos o futuro. Que futuro? E ainda nos dizem para sonhar. Que sonho? O pesadelo mora ao lado. Quero a vida que me foi negada! Não pedi para carregar essa vida que me foi dada. Quero ser dono dos meus sonhos. Não quero a miséria que passeia por essas ruas. Coisa de existencialista do “Terceiro Mundo”? O Vagabundo não sabe ler, eu vejo a sua imagem refletida em mim. Eu! O cretino que acredita ser o intelectual do Século XXI.