Da voz ao discurso: uma brevíssima crítica aristotélica ao uso indevido do lugar de fala.

O lugar de fala em tese baseia-se no seguinte raciocínio: o machismo e o racismo, por exemplo, fundamentados numa ideia de superioridade e consequente inferioridade de certos traços (cor da pele ou gênero), marca, a ferro e a sangue, a vida de inúmeras pessoas e, ao mesmo tempo, privilegia outras. Essa distinção, em termos de experiência de vida, acaba por precipitar uma quebra na simetria epistêmica dos discursos em termos de valor e veracidade. Uma pessoa que sofre racismo tem acesso a, e é capaz de expressar, uma realidade que outra que não sofre racismo não tem. O mesmo se segue para as que sofrem machismo. Portanto, é necessário ouvir o que essas pessoas têm a dizer e, ao contrário do que a abordagem descritiva geralmente demonstra, não se trata de um mero desequilíbrio que deixou passar tal ou qual voz, bastando escutá-la para retomar o equilíbrio, mas de um desequilíbrio positivamente negativo, isto é, posto de maneira a estruturar um ensurdecimento intencional e direcional. Eis a importância do lugar de fala: um espaço locutório afirmado politicamente para aqueles que são sistematicamente olvidados.

Porém, entender o lugar de fala como um passe-livre validatório para tudo o que é e será dito por alguém que se identifica com tal ou qual marcador social, tomando-o como um fim em si mesmo, é um grave equívoco. Em A Política (1253a 10-15), o filósofo estagirista dirá que a voz não é uma prelazia nossa, haja vista que animais também a usam para indicar uma situação prazerosa ou dolorosa. É a palavra ou o discurso, materialização articulada da razão, capaz de divisar o útil do prejudicial e, em última instância, o justo do injusto, nosso elemento singularizador, o qual permite constituirmos a plataforma existencial mais acabada dentre todas de seu tipo: a Pólis.

Nada mais incongruente e pouco eficaz, portanto, levando em consideração nossa natureza política, do que uma postura extremada que feudaliza a voz e marginaliza o discurso, reduzindo o real sofrimento, prenhe de conteúdo político-concreto, a uma lamúria autocondescendente e revanchista.

Thales BC
Enviado por Thales BC em 28/01/2019
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