O Porto

A lataria do carro do vizinho me ajuda a distrair, dia-após-dia. Faz barulho pela manhã, pela tarde e oito horas da noite - assim que finalmente ouço a chave sendo jogado no criado mudo. (Será que é um criado mudo?)

Há algo estranho em se sentir confortável ao saber que um desconhecido voltou pra casa. Uma sensação psicótica de que tenho que esperar no final do dia, a lataria fazer barulho, para conseguir dormir bem.

É tanto tempo, anotado em calendário, que não tenho esperado mais ninguém. Acompanho rotinas que não são minhas, pois a solidão sufoca - mesmo as paredes brancas me levando à ilusão de que existe paz.

Hoje meu vizinho não voltou.

Amanhã, eu juro, que vou pintar essas malditas paredes.