Ele sussurrava

Ele sussurrava, em uma altura que quase ninguém ouvia. Tem alguém aí? Alguém pode me escutar? Mas do outro lado nunca havia uma resposta. Era como se as pessoas fossem incapazes de lhe ouvir. Ninguém lhe compreendia!

Ele se manifestava como podia, mas já não tinha a mesma força da época em que era um jovem vigoroso. Ele sussurrava as dores da vida. O péssimo salário. A falta de atenção que o próximo lhe dava. Ele sussurrava a falta de compreensão pelas suas limitações. Mas ninguém lhe ouvia.

Certo dia ele desistiu. Desistiu da vida. Desistiu de sussurrar. Ele chorava, mas não como uma criança mimada. Chorava como um adulto amargurado. Era um choro quase imperceptível, que mais pareceria lágrimas de sono. Ele estava amargurado por todas as misérias de uma vida sofrida. Uma vida de quem sempre trabalhou, foi honesto, correto para os outros, mas nunca recebeu o devido respeito pelos seus atos heroicos.

Foi-se então que ele morreu. Morreu não por sua carne, mas sim pela sua alma. Dentro daquele ser já não havia mais uma alma. Tudo que havia era um pedaço de carne pesado, inanimado, difícil de carregar, que em breve também morreria. Morreu com ele o seu humor, a sua esperança, tudo aquilo que faz de um ser humano alguém.

Ali dentro daquele corpo já não habitava ninguém, mas ainda era possível ouvir-se um sussurro bem baixinho, uma tentativa tímida de viver mais: tem alguém aí? Alguém pode me escutar?