A VIOLINISTA

A violinista vivia sozinha com sua música opaca no breu de sua ambição. Acostumou-se a viver circunscrita entre cortinas negras que nunca se abriam para mostrar ao mundo seus dons especiais, seu talento. Ela queria ser especial para o mundo, ou, ao menos, sentir-se assim.

Levantava e deslizava seu arco nas relutantes cortas do violino, como faca sob os pulsos, que sagravam sua canção muda, ingênua, diariamente.

Sozinha, sua única fuga era olhar para o céu, enquanto incansavelmente esperava que a cortina se abrisse. Esperava sua oportunidade, o tão sonhado momento em que sua estrela brilharia.

Seus dedos, calejados, mente confusa. Afinal, tudo que ela queria era paz. Desejar o céu seria seu pecado? Ou então seria a busca por reconhecimento a todo custo?

Por vezes, pensava que deveria largar tudo e sair buscando outras cortinas para aplaudir ou, então, para resgatar outros que estão tão afogados na tentativa do sucesso quanto ela.

Um dia, diminui o ritmo dos acordes, revelando a marcha fúnebre que enterraria seus sonhos. Até que, então, parou. Inspirou o resto de oxigênio que restava na sua prisão intima e saiu pela cortina.

Lá fora, surpreendeu-se: ao invés de público, havia tantas outras cortinas negras a espera de descoberta. Caminhou entre elas e, com o braço estendido, tocou-as. A cada toque, a música interna se intensificava, como ela mesmo já fizera outras vezes de dentro de sua própria cortina negra na esperança que a descobrissem.

Por um momento a violinista era maestra da esperança alheia, embora sua vontade fosse submergir seu braço entre as cortinas e resgatar a pobre alma que ali definhava.

Agora ela sabia: não existe felicidade em se viver esperando a descoberta. A vida é que deve ser descoberta.

Quando se sentiu pronta, desprendeu-se da trupe de cortinas negras e foi descobrir a vida. Descobriu-se.

Ainda hoje caminha, por vezes se depara com outras trupes, com outras cortinas: verdes, laranjas, vermelhas; algumas abertas, outras fechadas. Tanta vida em busca de algo que está a um passo.

Hoje é dia de descobrir o mundo.