Saudade Ilíquida

Saudades é um sentimento ilíquido. Incontrolável ao momento sentido pela pele humana, porém o modo que se trata, melhor, se abate a saudade traz o sentimento à tona de forma uníssona.

As pessoas expressam esse sentimento de forma intensa, maneira esta que pode ser produzida com gritos e apertos, lágrimas, forças.

Produzir-se-á também e dolorosamente como silêncio. A garganta tenta gritar mas o som não lhe é provido, as mãos procuram agarrar-se em qualquer coisa em busca do segmento de conforto elaborado, diz-se falta? Talvez, vontade? Sim.

O mais monstruoso dos sentimentos, pois independente do que se sinta paralelamente a saudade, todas as outras formas de expressão trazem sentimento de cheio, sentimento este concreto, inteiro ou parcial. A saudade por si, traduz-se como vazio, a falta de algo que necessita ser estrangulada de maneira personalíssima.

Nós humanos odiamos a saudade, mesmo que ela seja boa, aperta-se o coração da pior forma possível, apesar dos pesares, o sentimento é mantido na mente mas o lugar que dói fica no peito, os dedos tentam alcançar o vazio, mas o que a alma sente o corpo é destinado a sofrer.

Porventura, também é presente o cheiro, o tato, o gosto. Presentes de forma esmagadora neste sentimento tão solitário, um caminhar na praia que não se toca a maresia com os pés, tampouco seja formada por areia e sol, sem o mar, não é praia.

Acarreta consequências na linha do tempo de nossas vidas, a prisão eterna no passado, a esperança do presente e a ansiedade do futuro. Ela sempre existirá para nós, firme e confiante por todos os anos e suspiros ao vento até que seja substituída pelo que nunca deveria ter ido embora.

A saudade, pessoalmente, é silenciosa. Pois ela não consegue dizer uma palavra sequer, possa ser de uma pessoa ou de uma vontade, existe em alma e inexiste em carne, porém faz tanta falta que as vezes nos sacrificamos por um mutualismo, enquanto flagelamos a nós mesmo por causa de sorrisos.

Quanto ao caso que não é espontâneo, quando ela vem seguidamente de uma decepção, torna mais difícil entender, principalmente quando uma simples despedida se tornou um adeus. Entretanto, o corpo com seu mecanismo de defesa e cura, trata tal situação destrutível num mal reduzido, pois em intenção de menos potencial ofensivo, cria uma brasa de esperança para o retorno da antiga situação, que infelizmente em meio dessa tempestiva nevasca, nós queimamos até a própria roupara para manter tal fogo aquecido.

Sentimento este antagônico ao amor, pois é frio, desolador e inconstante, a superação existe, é possível, mas tangente ao amor, será sempre um sentimento da alma, consequentemente, progressivo e gravoso, termos estes que tememos sempre o pior, já que ao invés de expor como o amor, veremos ele se trancar na mais funda camada humana que alguém poderia ser.

A saudade, a despedida do cais, a moradia vazia, a cama com excessivos cobertores, a falta que alguém faz, seu remédio não poderia ser o mais amargo que a superação, acompanhado com a forma grosseira que o tempo tem de lidar com estas reformas internas, infelizmente é um sentimento oneroso e principalmente impiedoso, que procura pisar em nossas cabeças e no final quando nos igualamos em tamanho, pergunta-se “Onde foi que eu errei?”

Mas é saudade, não arrependimento. Tinha e deveria que ser assim, foi feito pelo destino e ele só se cumpre independente das medidas que tomamos, somos peças e de forma inequívoca somos peões nesse tabuleiro, seguimos as ordens naturais dos acontecimentos para que nosso objetivo mor seja concluído, mas se Deus fosse sutil suficiente não tinha e nem deveria ter feito esse friorento sentir.

Sentir falta é negar sua felicidade promissória, estagna num ponto paranoico de que se não mudar ou ser diferente sem aquela coisa ou pessoa, seu mundo não irá seguir em frente nem as engrenagens do destino poderão continuar como devem, cruelmente é assim que deve seguir, pois o primeiro passo para seu assassínio, é a superação.

Há também a terceira opção para que não seja nem a superação nem se entregar ao sentimento, é a convivência. Você a verá todos os dias da sua vida enquanto não conseguir o que quer para que ela possa ir embora, como é dito: “Quando você olha demais para o abismo, o abismo também olha para você”. Então, viver com a saudade pode trazer convidados indesejados como sentimentos negativos de outro modo, porém, caso a vida lhe conforte em sua trajetória e caminho de espinhos, dar-se seguimentos ao que chamamos de sorte, até mesmo na busca à felicidade.

Quando perceber, sentirá a chuva sem se molhar, queimará sem fogo, tocará sem sentir-se e odiará o amável, amando o que se odeia ou acolhendo o que esse parasita tenha feito para acreditar que seja o amor da sua vida. Tal sentimento só procurará sua ruína, mesmo que signifique que ele morra conjuntamente, quanto mais buscar desprender carne a carne, ela dirá e repetirá o quanto lhe ama.

Dá tempo de entrar no mar sem afogar, descer ao sol sem se queimar, sentir frio sem congelar. A saudade não trará nada efetivo a sua vida e ao seu crescimento, somente acarretará a madrugadas mal dormidas, lençóis com cheiros de pessoas que não estão, vontades que terão que ser estranguladas, sonhos que se tornarão utópicos, beijos que não vieram, abraços que não esquentaram, solidão. Teria como alguém viver com um aperto tão grande no coração?

Digo que sim, é possível. Pois eu sinto falta de tanta coisa, que me sinto insuficiente de ser merecedor de tudo.

Se a felicidade fosse como uma bela noite de sono,

Afogo-me em travesseiros e me cubro de esperanças,

Mas eu não sei dormir.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 08/02/2020
Reeditado em 08/02/2020
Código do texto: T6860965
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