Exclamações

Estou empolgadíssima p/ receber minha mãe na (minha casa, minha vida). Estou muito ansiosa mesmo p/ voltar a ser filha. É isso, meus caros... voltaremos a ser mãe e filha. Escutarei a voz dela perto do ouvido, a pele vai passar raspando nos passeios dentro de casa. Estaremos em cômodos diferentes. Olha a loucura: minha mãe vai estar do outro lado da parede. A vontade é tão grande de arrumar tudo que eu não consigo sequer tirar o prato da mesa. Mãe, estou tentando recolher rapidamente toda a bagunça que fizemos, os muros que derrubamos, os países que destruímos. Queria, como um passe de mágica trazer você para o lado de cá (um mundo novo), mas devo confessar que tudo, absolutamente tudo está do jeito que você deixou. Permaneço intacta. Já programo nossa rotina sabendo que NUNCA tivemos rotina. Fomos livres p/ caralho, né?! Somos ainda? Ou envelhecemos p r e g u i ç o s a m e n t e entre um copo e outro? Não sei. Talvez tenhamos que inventar novas respostas p/ as perguntas que nunca fizemos. Será que estamos de cara limpa o suficiente p/ tolerar nossa sanidade? Sim! O outro lado nós conhecemos. Deitamos e rolamos, descemos ladeira abaixo, brindamos no fundo do poço com uma vela preta acessa de um cigarro molhado e morremos, mas achamos chato e voltamos dançando tango em cima da lápide e brigamos! Usamos todas as exclamações!!! Todas, mãe!!! Todas as exclamações são nossas!!! Os gritos de pavor, de dor, o grito do gozo... todos nossos, mãe. Todos. Estou exausta. Foram 5110 dias aproximadamente que ficamos separadas. Um divórcio longo, não acha? Tempo suficiente p/ esquecer. Mas você só continuou se perdendo sem nunca confessar o crime bárbaro que cometeu. Eu? Eu saí correndo nua e abracei todas as mulheres, trair todas as mulheres. Matei algumas. Procurando você. Não era você em nenhuma delas, mãe. Será você agora do outro lado da parede?