UM PENSAMENTO

UM PENSAMENTO

E Deus morreu. Não, não foi de Covid. Foi morto pelos homens em sua laicidade inepta, pretensiosamente paradisíaca, mas infernal em suas consequências. Foi-se a cultura, nesta era de escuridão de ideias, na apologia do pessimismo, no crescimento da desigualdade e na acumulação desenfreada de inutilidades materiais. Derrubaram-se muros e criaram-se celas e ainda, seres presos por tornozeleiras eletrônicas, chamadas redes sociais. Tudo é pecado, tudo é veneno, tudo é venal, foram-se os vestais travestidos. A vida virtual é artificial, desprovida de tradição, superficial e confusa, confunde cultura com conhecimento, conhecimento com informação, morte com vida sem Severina. A palavra está sendo morta pelas imagens, instantâneas e profusas, marcando instantes e não deixando lastros, lembranças, sequer saudade, afinal tudo é momento, apenas isso, logo esquecido. Sensibilidade em extinção, poucos com muito, muitos com pouco, é ordem unida e universal, a saída é o conformismo, a alienação, a mercantilização de tudo e todos, superando e reprimindo qualquer alternância, tudo é material, tudo é aquisição de corpos e almas, uma fábrica de coisas, falantes, andantes, vazias. Minha vida, minhas posses, meus penduricalhos, minhas mil e uma inutilidades, é tudo que importa, carrego esse peso com naturalidade, como natural é a morte de princípios e conceitos de humanidade. A futilidade e a ilusão de importância do ter é o que exerce domínio, o resto, é resto da dinâmica consumista de mentes e corações. A massa é cada vez mais amorfa, cheia de imagens e sons, refletidas em telas hipnóticas, ao sabor de fast-food e cocas, sem independência, sem fé no amanhã.

Arnaldo Ferreira
Enviado por Arnaldo Ferreira em 27/06/2020
Reeditado em 27/06/2020
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