Desdobramento

Eu fujo dos meus contornos sólidos,escapulindo lânguida num rodopio de falsa ingenuidade. Minha leveza vai envolvendo o ambiente, flutuo por meio de pés frágeis que acariciam o assoalho. Me desdobro involuntariamente, sou um mosaico fluido de sensibilidades diversas. Sou gelada mesmo sem estar, faço o corpo rodar como se à ele nunca pertencesse, numa dissolução de matéria que tange o infinito e atinge outro plano.

É estranho o coração dentro do aparelho, e estranho todo o seu silêncio, como se estivesse me neglicenciando de propósito, como se há muito estivesse tramando este comportamento infantil e perigoso. Como se risse de mim.

Mas sou gelada e pálida, sou fluidez total no meu perispírito afoito e em meus pensamentos entrecortados por suspiros.

Como se o espírito dormente quisesse repouso, mudar de ares e se libertar. E tudo é uma dança constante de nervos que anula qualquer sensação demasiada, é mais puro e simples do que existir. Um sopro fraco de vida que persiste sem saber o porquê.

E olhos opacos que enxergam além do brilho orgulhoso das coisas. E que gira, e gira, num ballet doido de borboletas coloridas nos ouvidos e cabelos, e se finda! Num mergulho endógeno permeado por um vácuo extenso. O espaço mesmo de ser.

Vai respirando leve o peso do segredo, incrustando percepções na memória e relegando os sentidos...há coisas mais importantes, afinal.

Ressucitar é sempre um trabalho vivido, sem na verdade o ser. Não há dor, ou peso, ou angústia. Só há vazio, incomodando sem incomodar. E tudo é branco, objetos correm rapidamente se deslocando sorrateiros, fazendo uma ciranda de cores manchadas.

Meus traços vão se apagando, sou um esboço de mim mesma reforçado pela lacuna na existência. Um intervalo sem fim, que traz um torpor manso aos olhos e adormece toda a vida num lapso.

Engasgado no peito....

que vazio volumoso!