De bem com a Lua

A lua e a noite anseiam por mim, mas não posso mais entregar me como outrora. Foi-se o tempo em que o sereno exercia, sobre mim, irresistível atração. O breu e os faróis, o barulho e a calada, as doses e as mulheres eram meus combustíveis. Enchiam-me a alma, me alimentavam o espírito e me faziam mais homem – eu me sentia mais vivo. A madrugada fora, por muito tempo, aquela com quem eu compartia uma cama qualquer em um lugar qualquer entre o por aí e o mundo proibido. O reino da noite sem fim, emoções uma traz outra.

Salvo quando Aurora me mostrava o caminho seguro para casa, nunca acordava só: ao lado do corpo estranho, a luz do dia a entrar pela janela e a atravessar as cortinas desgastadas pelos ventos dos tempos. No ar, ainda o cheiro de suor e dos fluidos nascidos dos corpos estranhos. No hálito, as lembranças do último trago, do primeiro cigarro, do último beijo de batom barato. No canto do cômodo, o banco de estofado rasgado a vigiar as roupas cheirando a cigarro e a destilado. Caminho até o banheiro. Um quarto de volta ao registro e o líquido gelado jorra do cano que nasce, sem cerimônias, da descascada parede.

É o choque que me traz de volta ao presente, à realidade. Lá fora a lua me chama, tenta me seduzir como fizera tantas outras vezes. Desta vez, não levo minhas mãos ao rosto, não me desespero. Me viro na cama, e a mesma lua que roubara anos da minha vida me revela aquela que vem se deitar ao meu lado todas as noites e, sob a luz da rainha cheia se mostra um ventre inchado, cheio de vida! Minha alma está completa, meu espírito em paz. Fecho os olhos e adormeço do pesadelo. Tudo é diferente agora. Estou vivo.

ARLEI NASCIMENTO
Enviado por ARLEI NASCIMENTO em 01/11/2007
Reeditado em 03/10/2008
Código do texto: T719311