Desabafo.

De todas as maneiras de se ferir alguém, acredito que a mais cruel seja a ferida que causa sequelas.

Causar um transtorno que não pode ser reparado facilmente e, por isso, se retirar de maneira silenciosa afim de não assistir ao caos que gerou, é no mínimo bem egoísta.

Eu poderia dizer que sou grata por isso, que os males que você trouxe ajudaram a construir meu caráter.

Veja bem, eu ainda teria um bom caráter se não fosse mais dominada por inseguranças do que por racionalidade. Faz bem aprender com a vida, é necessário estar aberto a ela. Mas a queda brusca disfarçada de ensinamento não se torna menos dolorosa apenas por ser bem disfarçada.

Éramos jovens.

Não sabíamos do que se tratava o mundo e ouso dizer que até hoje não consegui descobrir tanto sobre ele. De você, não sei, não voltei a ver nem a ouvir falar. Seja bom ou ruim, só sei que agradeço.

Gostaria de ter sido mais cuidadosa com você. A inocência e a juventude jamais poderiam ser usadas como pretextos para a hostilidade com a qual tratamos nossos sentimentos. Precisávamos mesmo colocá-los à prova de maneira tão bruta? Naquele tempo, lamentei sua partida. Hoje, me pergunto o quão mais profundo seria o estrago se eu por acaso tivesse lhe permitido ficar.

Jamais poderia inocentar a mim mesma, pois reconheço de longe as minhas digitais gravadas nas suas, e as nossas gravadas nas armas que nos feriram. Carregava mais do que deveria, pensei dever mais do que devia, e cobrei mais do que me pertencia. Aprendi que afeto não substitui responsabilidade, que se colocar no lugar do outro é muito mais difícil do que parece e aprendi também que deveria ter reivindicado a posse da minha felicidade no primeiro momento em que percebi que ela tentava não pertencer a mim.

É um pouco tarde agora.

Quando seus olhos desencontraram os meus e passaram a olhar em volta, percebi que havia encontrado uma profundidade maior no mundo do que você conhecia até então. Saiu correndo descalço em terreno desconhecido, disposto a viver e sentir tudo em que esbarrasse no caminho. Eu, assustada, o segui na velocidade que minhas pernas aguentavam, assumindo uma postura que não me pertencia, brigando para não te perder de vista. Tentei te manter por perto de uma maneira que te afastava, porque essa era a única forma de controle que eu conhecia. Te repreendi por se aventurar, não entendia seu espírito livre. Tinha medo que ser livre fosse melhor do que ser comigo.

E a sua liberdade me aprisionou.

Questionei minha suficiência, minha atratividade e meu valor. Por várias vezes busquei erros, acertos, soluções, enganos, problemas, razões e explicações para coisas que exigiam simplicidade e paciência, mas também exigiam a consciência do momento de partir.

Tentei, juro que tentei.

Tentei consertar o que estava perdido e assumir a culpa de tudo que não saiu como imaginamos que sairia. Não estava nos meus planos que você decidisse ir embora, e não estava nos seus planos que eu fizesse tanta questão de impedir que acontecesse.

Hoje, sou refém dentro do abrigo de inseguranças que você construiu ao meu redor, para logo em seguida partir trancando a porta pelo lado de fora.

Talvez um dia as feridas sarem,

as lágrimas sequem,

a agonia passe

e meu coração aquiete.

Talvez um dia eu me sinta bem,

Perceba que não há nada de incomum em alguém enxergar em mim as coisas boas que eu sei que existem.

Talvez um dia eu me sinta em paz sabendo que existe um mundo lá fora, mas esse mundo não anula o mundo que há dentro de mim. E, pra ser honesta, fico muito feliz que você não tenha ficado por tempo suficiente pra ver o quão mais bonito ele teria sido sem você.

Porém nada impede que se torne, e, a partir de agora,

Minha missão acontece em mim.

viOlarei
Enviado por viOlarei em 18/12/2021
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