Programação Sala Cine São Geraldo

Quando pequena, bem criança mesmo, a professora perguntou a cada aluna-o o que gostaria de ser quando crescesse. Pedi para dizer duas. Ela consentiu. Disse: aeromoça e bilheteira de cinema.

O cinema, no tempo em que ocupavam destaque e preferência cultural das pessoas, especialmente nas pequenas cidades, era palco de grandes emoções! A certa altura, a meninada podia frequentar as sessões para os filmes livres e os liberados até os 14 anos. Era uma alegria e sou daquelas pessoas que acham a telona insubstituível, e que já na maturidade (ano 2000) quando estive numa sala com tela gigante e efeito 3D (óculos), a emoção foi tão grande que chorei.

Falando em chorar, num dia no final da década de 60, havia um filme proibido para menores de 18 anos, fomos sem essa informação, e como esperado, eu, que estava com 13 ou 14 anos, fui barrada. Entretanto como num golpe de sorte, o porteiro, normalmente irredutível, atendeu as súplicas de minha irmã e as minhas. Filme começando, bilhetes nas mãos, acabamos entrando. Entre excitada e receosa, alcancei a poltrona pensando o que seria um “filme adulto“. Enquanto nos acomodávamos, essa pergunta passava em minha mente na velocidade e intensidade de um acelerador de partículas.

O filme “A noite de meu bem”, 1968, era biográfico, tratava da vida e obra da compositora Dolores Duran, e a história conflituosa de um grande amor que a magoou. O filme terminou com ela morta no sofá, sozinha, e a música , titulo do filme, tocando. Foi tão triste, tão melancólico, que pensei como poderia ser horrível ser adulta, e, como eu gostaria de não ter visto essa história. O fato de ser baseado na vida real aumentou os sentimentos e a solidariedade pela protagonista.

Tais sensações me acompanharam por muitos meses, e o cinema ficou por um tempo, sombrio. Décadas depois li que a vida da cantora, foi muito bonita e rica, Dolores foi uma mulher culta, politizada, de esquerda, autodidata em idiomas, muito alegre, e que conhecia o próprio problema cardíaco congênito, esse sim, responsável por sua morte precoce aos 29 anos *. Infelizmente o filme não honrou a biografia.

Chorar no cinema era bem comum, chorava de emoção, de aflição, de frustração, até de alegria. Chorava também nas histórias de amor encenadas por Gianni Morandi, o cantor pop italiano. No primeiro filme que vi, “In ginocchio da te” (Ajoelhado a seus pés), chorei tanto que meu lencinho de algodão que tinha mais ou menos 15 cm de lado, não deu nem para os 20 primeiros minutos, e o vestido ficou todo molhado de lágrimas. Então, na semana seguinte, aprontando-me para outro filme do cantor, lembrei-me do dilúvio e comentei com o papai, e ele abriu a gavetinha da penteadeira e, ideia brilhante, ofereceu-me o lenço Presidente dele. Pequei um, soquei na bolsinha e lá fui para o cinema quando finalmente pude chorar a vontade, sem que alguém pudesse ver no escuro, o tamanho do meu lenço. Guardo ainda hoje um lenço dele que me faz rir desse episódio. Ele nunca questionou por que eu planejava chorar no cinema, decerto ele entendia que emoções podem fazer chorar. Os lenços seguraram litros de lágrimas nos filmes, a saber, “ In ginocchio da te” (Ajoelhado a seus pés) e “Non son degno di te” (Eu não sou digno de você) e “Se non avessi più te” (Se tu não existisses). Todos emotivos, românticos, homônimos das músicas de Gianni. O bom desses filmes chamados “água com açúcar” era que tudo acabava bem, mesmo que com uma trama que nos deixava sem fôlego, até o fim.

Os filmes embalavam nossa imaginação, desde esse início preferi os mais sérios, que contavam histórias de vida, que ensinavam, enfim, os dramáticos. Não conseguia rir nos filmes de comédia. Só o fiz com gosto quando assisti muitíssimo depois, o Monty Python, “Em busca do cálice sagrado”, “A vida de Bryan”, e “O sentido da vida”. Ria pouco com o Mazarroppi, geralmente nos poucos filmes que pude ver pensava que eram bem dramáticos, um drama social.

Vi praticamente todos os filmes que a sala de cinema do Cine São Geraldo de minha cidadezinha exibiu. Outros clássicos antigos vi com meu primo que tinha os filmes e bem depois desse tempo. Aprendi ao longo do tempo que os filmes se qualificam por serem bons ou ruins, e não, tristes ou alegres. Prefiro os bons.

Alguns mais antigos que me vêm à memória:

Ao mestre com carinho (To sir with love, 1967)

Adivinhe quem vem para o jantar (1967)

A noviça rebelde (1965)

2001 – Uma odisseia no espaço (1968)

A primeira noite de um homem

Grease (1978)

Beatles Os reis do iê iê iê (A hard day’s night 1964)

Help (1965)

Amor, sublime, amor (1961 West side story)

Funny girl(1968)

Cabaret (1972)

Lúcio Flávio, passageiro da agonia. (1977).

Cinema é tudo junto: enredo, música, gente em movimento, liberdade de criação, mudança de ambiente, promessa, sonho, realidade, de um jeito que, após assistir uma película e a sala é inundada de luz, há torpor, resistência em sair daquela história, um fio de tristeza e luto porque acabou, e em se recuperando, o que se quer mesmo é saber quando virá o próximo espetáculo.

É isso, é uma linguagem espetacular.

Toda vez que ouvir Theme from a Summer Place, de Percy Faith, que abria as sessões daquele cine, meu folego por um segundo ficará suspenso, e o meu coração, sob o comando do cérebro cheio de imagens, se apertará de saudade.

*Biografia de Dolores Duran mostra a cantora à frente de seu tempo. 8/11/2012. Correio Braziliense. Disponível em correiobraziliense.com.br