Piaf e Margueritte : Hinos de amor

Minha mãe viveu lucida até os 90 anos, quando nos deixou.

Adquiriu gosto por assistir bons filmes. Acompanhava perfeitamente qualquer roteiro.

Ao saber que ela vinha visitar-me, o mais importante para espera-la era identificar vídeos que supunha que a agradariam.

Em dois fins de semana, em especial, exibi dois filmes que nem imaginava causariam uma revolução emocional nela e segundo relatou marcaram a vida dela. Escreveu os títulos num pedaço de papel com o nome dos atores principais. Fiquei muito feliz, claro.

O primeiro filme com Gérard Depardieu foi “Minhas tardes com Margueritte”(2011). Um filme lindo, delicado, contou a história de uma cientista solteira, que conheceu o mundo todo, e agora na velhice fazia suas leituras numa pracinha. Encontra com um homem iletrado que leva uma vida pacata. Tudo muda quando se conhecem e ela pergunta sobre literatura e ele que mal sabia ler, passa a ouvi-la todos os dias e ele passou a ler por si, e ganhou o mundo. Minha mãe vibrou com a atitude da senhora de cabelinhos branquinhos como os dela. Deve ter se lembrado de quando foi professora e de quando ensinava suas ajudantes do lar a ler e escrever. Aliás, foi emocionante vê-la beijar as mãos de minha mãe, e me explicar que agora podia ler a bíblia da religião dela.

Num outro momento, ela assistiu Piaf: um hino de amor (2007). Avisei-a que era biográfico e meio triste, mas ela sempre gostou muito, de Edith Piaf. Gostava da língua francesa, e cantava bem bonitinha a “La Marseillaise”. Nesse, ela chorou, e me disse: “nunca pensei que ela tivesse tido uma vida tão dura”. Edith Piaf, interpretada por Marion Cotillard, nasceu pobre e foi criada em um bordel. Passou por experiências muito ruins com drogas, sofreu perdas pessoais, e morreu muito jovem. Perguntei à mamãe e me desculpei por causar-lhe estes momentos , mas, ela respondeu, “foi triste, mas tinha noção errada de que a vida dela era perfeita. Aprendi muito e ouvi as canções tão lindas dela”. Incrível mas estes filmes me uniram à minha mãe. Ao nos despedirmos ela me abraçou e agradeceu demais.”

Esse caso me fez lembrar nos anos 80, quando ao visitar uma colega, na cidade de São Paulo, fui animada por ela, a escolher uma peça teatral. Escolhi o último dia da peça de Bibi Ferreira, justamente interpretando “Piaf”. Ouvi que o marido queria ir numa peça de humor, e não era o acreano José Vasconcellos. E comecei a rezar, e, manifestei enfim, que as salas eram quase ao lado uma de outra, que poderíamos nos dividir e ficaríamos todos satisfeitos. Fomos todos ver "Piaf, a Vida de Uma Estrela da Canção". Num dado momento lembrei-me de olhar como estava o marido de minha amiga, e, para a minha total surpresa, ele estava chorando durante o “La vie em Rose”, e depois, chorando no ”Non, je ne Regrette Rien”. Ao final ele disse para mim: “nunca pensei que estas músicas que conheço fossem de Piaf, e, nunca imaginei a voz de Bibi”. Me agradeceu e fiquei numa alegria imensa.

Que fim de semana bonito! A arte preenche os sete buracos das cabeças, ficamos leves, amorosos, felizes!

A mamãe levou o nome do primeiro filme para as primas, as irmãs, vizinhas, e quando levou o segundo título, passou a ser a consultora sobre o que elas deveriam assistir.