Que Deus me Livre da Eternidade

 

 

 

A eternidade sempre me amedronta, assim como o mar, imenso, profundo e perigoso, mas pelo menos, o mar tem um fim, uma borda, um fundo. 

 

A ideia de nunca morrer, ou de morrer e ter uma alma que vai continuar existindo para sempre, como os tristes vampiros dos filmes de terror, me enche de angústia. Eu queria deixar de existir quando morresse. Não que eu deseje a morte agora; quero cumprir meu tempo de vida nesse mundo. Mas quando chegar a minha hora, gostaria muito de poder ter a certeza de que acabou e que não precisarei mais ser a Ana, ou reencarnar como outra pessoa.

 

Quando eu era bem pequena, minha mãe tinha um conjunto de armário e cômoda antigos, estilo Art Noveau, que meu avô trouxera do Hotel Majestic, onde ele trabalhou por alguns anos. Os móveis tinham enormes espelhos de cristal bisotado. Minha mãe os colocou - armário e cômoda - um diante do outro, e quando eu me olhava no espelho, às minhas costas eu via réplicas infinitas da minha própria imagem. E eu tinha pesadelos com aquilo, com aquele túnel infinito de espelhos.

 

Acho que tudo e todos deveriam ter um fim. Por isso não concordo com essa coisa do espiritismo de invocar o espírito dos mortos - quem sabe, estejam na sua não-existência tranquila, eternamente adormecidos num sono sem sonhos, e nós os acordamos para tentar satisfazer a nossa curiosidade e o nosso egoísmo, bombardeando-os com nossas perguntas idiotas? Não sabemos viver aqui, e queremos saber como é viver do outro lado.

 

Não considerem meu texto como sendo melancólico, pois não sou uma pessoa melancólica; pelo contrário. Mas não acho que a perspectiva de uma outra vida seja animadora. Queria fazer meu trabalho aqui, e ser desligada, descontinuada, gentilmente esquecida. Não sou alguém indispensável ao mundo. Aliás, ninguém é. Somos todos substituíveis. 

 

 

Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 02/05/2023
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