Algumas palavras sobre "Soneto de contrição"

Ok, isso aqui vai ser rápido, rapidinho que nem lampejo. Fazia tempo que um poema não me pegava no colo mesmo, não me desmontava, não me fazia chorar. E aí aconteceu hoje. Segredo só nosso, não vale contar pra ninguém.

Eu fiquei o dia inteiro atinando pra escrever sobre, o vagalume do juízo piscando. Tava pronto pra sair de casa, encontrar uns amigos quando inventei de ler e aí fiquei entregue pro mundo, sério. Imagine só ter que respirar, falar, se colocar em frente, depois de ser atingido por umas palavrinhas. Mas ainda bem. Ainda bem, melhor do que estar morto. Foi como um soco na boca.

Vou já falar qual era, é que na verdade, eu acho que o que me pegou tanto foi isso, não o texto em si, que é bem bom, mas também essa coisa marginal, a sensação que se tem segundos antes de acordar do sonho, a sugestão, o escorrego, o sorriso vapor, o quali-signo que Peirce já falou.

E aí nem é só culpa de Vinícius, a coisa sobre o que ele escreve é isso, um insumo tão universal, tão oxigênio, que coloca a gente de cara pro ofício do poeta mesmo: a linguagem

Mas eu vou deixar de enrolação, aliás, queria ter pensado melhor antes de escrever, fazer jus a grandeza, mas não importa. Já foi. Vou fazer logo o favor de dizer o que vim dizer. A poesia foi “SONETO DE CONTRIÇÃO” de Vinícius. Leiam. Leiam. Saiam desse texto agora, fechem essa aba e vão ler.

Pois bem, eu tenho que dizer que eu não sou nadinha católico, na verdade, pra mim a religião vem vestida com desconfiança mesmo, uma coisinha que tá o tempo todo, toda hora, tentando capturar, servir de terreno sólido, trocar os pilares nossos por uns já pré-fabricados. Ruim.

Mas esquecendo um pouco isso, esquecendo a parte ritualística, de plástico, caricata, eu lembro também que uma parte de mim também ama tudo isso. Essa explosão sem motivo.

Ler “Soneto de contrição” Foi o contrário de estranho e pra mim não é muito sobre arrependimento não, nem culpa, nem nada assim, quem ama não se arrepende não, pra quem ama, erro e acerto são a mesma coisa. Pra mim é sobre isso o texto, sobre contradição.

Só quem sentiu já sabe o que é. E aí pode ter sido uma paixonite de uns meses, um ardor de anos, não importa. Vai dar febre, vai saltar o intestino, a cabeça, vai ser trator, vai ser ponto de fuga.

Vai ser em vão.

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Eu te amo, Maria, eu te amo tanto

Que o meu peito me dói como em doença

E quanto mais me seja a dor intensa

Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto

Ante o mistério da amplidão suspensa

Meu coração é um vago de acalanto

Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma

Nem melhor a presença que a saudade

Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade

Que tão mais te soubesse pertencida

Menos seria eterno em tua vida.