Escrever é semear

Olho para o corredor. Demora alguns segundos até que eu saiba se é real ou não, e mesmo tendo passado mais de um ano, ainda fico em dúvida. Fecho os olhos e lembro que na hora, eu estava quase dormindo, quase acordando, e então eu a vi.

Se existe mesmo a aura que Walter Benjamin falou, estava ali, em você.

Você vem andando, se aproxima, seus contornos ficam mais vivos, menos vapor. Não sei se viu ( espero que não), mas eu fiquei assustado com aquela visão, susto bom, onírico, mas susto.

Essa ocasião sempre me volta na cabeça. O jeito como meu olho vestiu um acontecimento tão simples: O aproximar de alguém. Vestiu com cores tão florais e místicas, me faz acreditar cada vez mais na poesia.

Na internet, descubro esse professor, crítico de cinema português: João Bénard Da Costa.

Ele fala sobre o amor pelo cinema, fala sobre o motivo que o faz escrever sobre filmes, diz isso parafraseando outra escritora, Sophia de Mello Breyner Andresen.

"Outros amarão as coisas que eu amei." Essa é a frase dela que conta num dos poemas. Pesquisem.

Pra ele, João Bénard, escrever sobre cinema é tipo o que falou a Sophia, ele o faz para que os outros também possam amar as coisas do jeito que ama.

Fiquei pensando. Fiquei pensando se escrever sobre alguém não é isso. Se quando falo dessa coisa quente e doce, não sou eu querendo ser um semeador de memórias.

Lindo, né não?

Ficamos recobrando a visão, tentando chegar de novo até o "Punctum". O que é um poema de amor se não a recriação de uma coisa, índice, momento, sugestão, sentimento, etc etc?

Amar transforma mesmo a nossa compreensão das coisas. Então eu, não sabendo fazer outra coisa além, escrevo. Os outros tem que saber também, tem que amar também, é como se existisse uma vida antes, e outra depois, é como se existisse uma notícia imprescindível e inédita.

Tem uma frase de Carlos Rodrigues Brandão que me impactou muito, é quando ele fala sobre fotografia num artigo, até hoje não esqueci. Diz que a imagem está "na fronteira entre a evidência e o mistério."

Eu sempre lembro da cena que descrevi no início, lembro da aura, eu acho ainda que a memória é o mistério total, não há evidência, é tudo nosso, de dentro. E estamos num querer eterno pra que seja do(s) outro(s) também.