UMA CONVERSA COM DEUS

Havia tempo que diversas indagações preocupavam a minha mente. As crenças mais sagradas do meu ser haviam se esvaídos como a areia que escorre numa ampulheta. Na vã esperança de recuperar a minha fé, eu busquei ao redor do mundo algo ou alguém que me desse a resposta que eu buscava. Conheci as mais diversas religiões, filosofias, deuses e rituais. Mas nenhum deles preencheram o vazio que ficou quando perdi a minha fé. Cansado de buscas tão infrutíferas, decidi apenas sentar em um banco velho de uma praça sem muito movimento. Decidi fechar meus olhos e deixar meus pensamentos fluírem, e eles fluíram, selvagens no início, como uma avalanche que devasta tudo em seu caminho. Contudo, conforme fui me concentrando, eles se acalmaram.

Eu já havia tentado a meditação antes, mas acho que criei muitas expectativas e ilusões, o que fez a experiência não ser efetiva. Neste momento, nesse banco de praça em uma cidade perdida nesse mundo enorme, eu deixei as expectativas de lado. Apenas sentei e meditei.

No início, nada aconteceu. Passado um tempo, não sei precisar quanto tempo, senti-me levado, como se eu estivesse flutuando. Quando abri meus olhos, ainda era o mesmo banco de praça, mas o ambiente estava mais verde, mais cheio de vida, mais pacífico, mais convidativo.

Por me distrair observando as novas percepções que esse ambiente me causou, não percebi a presença de um homem ao meu lado. Quando ele falou, estranhamente, não me assustei. Foi tudo natural.

— É impressionante como as coisas ficam mais belas, quando respiramos fundo e as observamos com mais atenção.

— Isso é real? — indaguei.

— Tudo é real, às vezes só não queremos ver.

— Eu sinto que te conheço, só não me lembro de onde. — Falei para o homem ao meu lado.

— Todo ser vivo me conhece.

— Como é possível que todos te conheçam?

— Porque todas as coisas vêm de mim, e eu sou todas as coisas. Você sentiu que me conhecia, apesar de nunca ter me visto, mas eu soei familiar a você. Isso se deu porque eu sou você e você sou eu. Tudo que existe, existe em mim.

— Você é Deus?

— Esse é um dos títulos que me deram. Mas me nomear limita o que sou.

— Não entendo!

— Para que você compreenda com o conhecimento que tem, eu sou todos os nomes, todos os objetos e sentimentos. Se você tentar me definir por algum nome que seja, você vai conhecer apenas uma parte de mim, não o todo. O pensamento humano ainda não é capaz de me abranger, pois os humanos ainda não conseguiram se desvencilhar da parte, para enxergar o todo. Os humanos ignoram aquilo em que não acreditam; por isso, compreendem apenas a fração e não o conjunto de todas as coisas.

— Cada pensamento produzido pela humanidade, é você?

— Uma parte de quem eu sou.

— E por que você decidiu se apresentar a mim? — questionei o homem ao meu lado. — Se você é o todo, como pode estar na figura de um homem? Não poderia ser você uma figura feminina ou animal?

— Eu poderia vir na forma da Lua ou do Sol, ou eu poderia falar através da própria Terra. Porém, vim de uma forma que para você é fácil me enxergar, pois na sua visão, Deus é uma figura masculina. Para quem me vê como uma deusa, eu venho em forma de mulher. Essas formas são apenas cascas, o que importa é que me enxergue.

— Por que decidiu aparecer somente agora, depois de eu ter rodado os quatro cantos do mundo? — interpelei, um tanto magoado.

— Porque você procurou me ver no olhar dos outros e esqueceu de buscar dentro de você. Quando sua busca por mim encerrou e você decidiu se concentrar no seu mundo interior, conseguiu encontrar a minha forma em você. Não esqueça, eu sou todas as coisas e em todos os lugares eu estou. Se me buscar em templos, verá apenas a parte que aquela comunidade acredita. Se contemplar a natureza e o Universo, conseguirá contemplar um pouco mais o que sou. Quando olhar para as pessoas na rua, ali me verá, quando sentir a brisa suave ou o vento violento, ali também me verá. Você me encontra quando desperta em ti os seus desejos e sentimentos, quando você vive sua vida da maneira que você é. Se você praticar o bem ou o mal, será você seu próprio benfeitor ou carrasco.

— Porque eu sou você e você sou eu. — Completei.

— E, justamente por isso, o que a humanidade determinar, determinado estará. Viva com sabedoria, ou viva de maneira tola, o único responsável será você. Eu não trago a condenação e nem a recompensa, há em cada ser a capacidade de criar suas regras e leis.

— Para que você criou o Universo e os seres? — eu quis saber.

O homem ao meu lado deu um sorriso brincalhão e perguntou:

— Não compreendeu ainda?

— O que eu não compreendi?

— Eu não criei nada, eu sou tudo o que há.

— Como é isso possível?

— O impossível é apenas uma falta de compreensão humana.

— Isso tudo é difícil de acreditar! — exclamei.

— Eu não preciso que os seres humanos acreditem em mim, porque independente de fé e da maneira que me vejam, eu sou todas as coisas. Acreditando ou não, estarei em cada pôr do sol ou em cada chuva que precipita, em cada ser que nasce ou que morre. Acreditando ou não, continuarei sendo o que sou. Fique com essa verdade, ou continue sua busca, você vai me encontrar de qualquer maneira. Seja através dos seus olhos, ou do olhar alheio, de qualquer jeito me verá.

Após finalizar essas palavras, o homem ao meu lado desapareceu. Senti-me pesado, como se minha energia vital voltasse para aquele invólucro pesado que eu chamava de corpo.

Após essa experiência, observei a vida ao meu redor. Tudo estava no seu devido lugar, contudo parecia que tudo estava fora de lugar; um verdadeiro paradoxo. Ainda era difícil assimilar minha experiência há pouco vivida, mas me permiti sorrir um pouco com toda essa loucura e, por mais estranho que pareça, era como se meu riso reverberasse a todas as coisas ao meu redor.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 22/03/2024
Código do texto: T8025519
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