Quem não é autodidata está fadado a ser rebanho.

Charles Baudelaire disse, em Paraísos artificiais, que "os venenos excitantes me parecem não somente um dos mais terríveis e dos mais seguros meios dos quais dispõe o Espírito das Trevas para seduzir e subjugar a deplorável humanidade, ...". Ele se referia principalmente ao haxixe. O citado espírito das trevas pode ser interpretado como o torpor, o estado de embriaguez e desordem mental, à escuridão sensorial à qual é levada a mente que foi submetida a tal experiência.

A deplorável humanidade pode ser entendida como a grande massa formada pela esmagadora maioria das pessoas "de alma bem pequena" que "estão no mundo e perderam a viagem", como dizia Cazuza; que não descobriram o sentido da vida (nem há indícios que isso um dia possa ocorrer, pois que é fato desconhecido das ciências) ou mesmo não encontraram o sentido da sua vida (que não é tão comum, mas não é tão difícil de identificar). São aqueles em que o instinto tem preponderância sobre a racionalidade; que ficam felizes com efemeridades como a vitória do seu time do coração; a conclusão da rasteira trama de uma novela feita não para elevar o espírito, o conhecimento, o desenvolvimento do intelecto, mas para agradar e manter no mesmo nível a capacidade cognitiva da audiência; a cervejinha com churrasco no fim de semana ou no happy hour; a promoção que não pode ser perdida; a vantagem de passar na frente do outro quando o outro não vai ficar sabendo. Haverá quem defenda que isso tudo é questão de gosto, mas é estranho uma grande massa ter o gosto tão parecido. É bem mais razoável aceitar que isso é resultado de uma programação mental. Poucos escapam. Quem não é autodidata está fadado a ser rebanho.

Para essa deplorável humanidade, a fuga da realidade é a melhor forma de vida. Uma mente pouco desenvolvida não suporta as agruras do mundo, na verdade, suporta até melhor sofre-las do que tomar conhecimento delas. Por isso é mais confortável se sujeitar aos venenos excitantes para sentir alegria e julgar-se feliz. Ignorando que não existe felicidade plena e inarredável. Por isso, a volta ao opioide, qualquer que seja ele, se torna uma necessidade que por fim leva à dependência. Por isso ele tem razão em dizer que esse é o meio mais seguro de ser subjugado pelas trevas.

Mais adiante ele pergunta "Quantos homens encontraríamos no mundo tão hábeis para se julgarem, tão severos para se condenarem?", demonstrando uma cristalina percepção da essência da alma humana, no que tange à autocrítica. O homem, quanto mais adquire conhecimento, mas se torna autocrítico e menos crítico do outro. Ao mesmo tempo, se torna carregado por todo o peso que a consciência da realidade causa a qualquer um que se depare com os fatos humanos ou até que busque conhecê-los. É uma estrada perigosa, pois, como já dizia Nietzsche, se você encara o abismo, o abismo o encara de volta, e se você enfrenta monstros, deve tomar cuidado para não se tornar um deles.

Quanto menos lúcidos, menos hábeis somos de julgarmo-nos severamente e muito menos de condenarmo-nos.