Definição

Não existe falar de mim. Não, eu também não estou louca. Apenas sigo a moda, ainda que seja para refutá-la.

Querendo ou não, leal o suficiente para falar sobre mim (e note: não de mim) é o meu próximo. Por isso Deus disse: ame o próximo como a ti mesmo, tudo biblicamente explicado para evitar transtornos futuros. Não é à toa que a gente vive falando mal um do outro.

Mudando de assunto, mas ainda na mesma esteira. O que é a imparcialidade? Eu chego aqui, cheia de marra, dizendo que farei o possível para me descrever sem ser piegas. O simples fato de me achar capaz de não puxar o próprio saco é ser piegas. Pronto, já morri na praia sem nem ter nadado dois metros.

Outra saída. Posso simplesmente dizer, com cara de quem não faz a menor questão de impressionar: deixo que falem por mim Djavan, Caetano, Capital, Renato Russo... Furada. Eles nem te conhecem.

Você pode ainda tentar reviver as experiências, contar a sua vida, a sua história e tudo mais. Com a ressalva de que aquele do passado já não é mais você. Como a pessoa que agora vos fala não é a mesma de amanhã. Ela virá com pensamentos novos, entretanto parecidos (ninguém muda da água para o vinho, as transformações decorrem daquilo que se vive e dos hábitos que se modificam) e, daqui a anos, será outra e outra e outra com outras idéias.

Interessante uma frase do parágrafo acima (se é que se pode chamar de texto): ninguém muda da água pro vinho e as mudanças vêm do que se vive e dos hábitos. Eu disse isso? Sim, fui eu que pensei e escrevi esse trecho como todos os demais, minha sanidade não me engana. Um respaldo apenas; de verdade, ninguém se transmuta da noite para o dia e toda a diferença tem sua explicação, todavia me é dado admitir que, apesar da natureza divina, existem os que enganam a si mesmos. Princípios. Hipocrisia. Por outro lado, e esse totalmente a favor da divindade, muitos se modificam sem precisar de tempo, num simples olhar. As maiores e melhores pessoas não nascem prontas, se transformam em simples olhares, neles cabe a imensidão dos dias e o consolo das noites.

Mudamos o tempo todo e nenhuma decisão é definitiva. Tal qual o poeta trágico, por mais complicada e frágil que pareça uma situação, sempre haverá dois lados.

Eu posso dizer de mim: sou alguém que busca, incansavelmente, entender as minhas transformações sem me deter aos porquês de cada uma, decifrar os olhos que me cercam na tentativa de alcançar uma das maiores e melhores pessoas e, acima de tudo, conquistar a sensibilidade dos poetas, que expressam a dor sem deixar de ver os dois lados da própria desgraça e não desistem do amor. Não existo sem amor.

Olha, eu que tanto critiquei, acabei me contando. Mas me perdôo, eu sou aquela que está mais próxima de mim. Na extremidade de mim estou eu. Na extremidade do amor estamos todos nós. Deixe que fale por mim Clarice Lispector. Dou o braço a torcer, sou humana e finitamente flexível, mas sempre mutante. Essa metamorfose ambulante. Péssima rima.