Apenas um pôr-do-sol

Naquele sábado já havia marcado de rever uma amiga de longa data, pessoa importante, mas que por circunstancias da vida andava meio ausente.

Encontro marcado há tempos, pois a saudade tem que ser sufocada o quanto antes. Aguardo-a ansioso por não saber como estava, as novidades, os medos, os amores e tudo mais que perdi não estando presente em sua vida.

O interfone toca, atendo e do outro lado uma voz que já me demonstrava querer ouvidos, abri o portão e aos poucos o som de seus passos na escada ficavam mais fortes como meu desejo de desvendar aquela voz sub-tonada feito corda de viola velha pedindo suas boas notas antigas.

Como a porta já se encontrava escancarada, ela me chegou e agora não era só voz pedindo socorro, num abraço tímido até seu corpo beliscou minha alma tentando chamar atenção.

Conversamos bobagens, falamos da vida, sorrimos um pouco, mas nada de muito especial, tudo muito superficial, pois o tempo de ser completo ainda não havia chegado.

17:30h. Hora do pôr-do-sol, subimos as escadas acompanhados de uma boa garrafa de vinho e alguns cigarros comentando que há muito tempo não fazíamos aquela peregrinação até nós mesmos, nos ajeitamos sobre as telhas frágeis de nossos telhados.

Lado a lado bebericando nossa única xícara, na qual partilhávamos nosso vinho e nossos pensamentos, mágoas, novidades, amores, nossos medos.

De repente não éramos nós mesmos, éramos vários ao mesmo tempo e no mesmo instante. Passamos a conversar com nós mesmos, um grupo debatendo sobre tudo quase, recordo-me de um assunto que me chamou atenção como todo medo de qualquer um.

O medo de se deixar ser aquilo que nos machuca, aquilo que nos deixa vulneráveis, que faz com que nos coloquemos nas mãos de outros supondo que somos importantes e que principalmente seremos guardados feito pedras preciosas de tesouro perdido.

Por mais que o tempo passasse e nossa conversa se aprofundasse cada vez mais, aqueles olhos me falavam mais, me mostravam dores vividas há pouco. Faziam com que me encafifasse mais e mais, tenta-os desvendar sem sucesso algum mesmo sabendo que logo após aquilo tudo em que tinha se transformado nosso pôr-do-sol, descobriria essas dores.

Pessoas chegaram de repente, estávamos em uma festa que mesmo não premeditada, já tinha o seu fim anunciado prematuramente, nos divertimos, cantamos a vida intensamente, falamos das vidas de todos com os próprios, sentimos e fizemos tudo o que cabia naquelas poucas horas.

A droga é que os finais mais interessantes são aqueles que desconhecemos os motivos, aqueles que mesmo anunciados são indecifráveis, estávamos novamente sozinhos, bêbados e sozinhos de mãos dadas agora com novos acontecimentos, novos sentimentos que nos tinha sido dados por nós mesmos.

Enfim entregamos nossos corpos ao deleite natural do sono ébrio em espaço curto, pois quem já viu alguém bêbado acordar tarde, despertamos, nos olhamos e em um feixe de três segundos, nos confessamos tudo que havíamos nos deixado fazer naquele pôr-do-sol que estaria mais para culto à mãe lua.

Perguntamos o motivo de tanta alegria já que eram tantas as perdas, e chegamos silenciosamente a definição de que era simplesmente por estarmos juntos partilhando tudo que o maldito relógio da sociedade nos faz perder.

Sabíamos e aprendemos que independente de tempo ou distâncias seremos sempre. Aprendemos que as novidades, os medos, os amores não se perderiam apenas com dois tapas em face de quem te ama.

Bunita por se só faz-se a vida.

Tino Neto
Enviado por Tino Neto em 16/03/2008
Código do texto: T903041
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