Desça comigo ao abismo

Façamos de conta

Que apenas eu estou cheia

Continuo a me fazer de tonta

Para não sangrar mais a sua veia

Você faz do amor a sua obra pia

E eles se banham em sua sangria

A humanidade é caso perdido

Aqui, não há amor correspondido

Você olha tudo de cima

Da sua torre de cristal

Com uma arrogância imperial

Para quem carrega uma sina

De fazer curvar os ombros

E, até as trevas, sob os escombros

Jogue-se do seu maldito pedestal

E deixe-se cair no leito bestial

O sangue que pinga dos seus olhos,

Despertou-me na escuridão

Feito abutre atraído pela podridão

E, diante de você, apareço de joelhos

Sedenta, imploro por meu alimento

Em troca, absolvo-o do seu sofrimento

Oferecendo a você meu abraço terno

E meu convite para o inferno

Você, preso a esse covil mundano,

Eu, presa a esse corpo humano

Sem ter essência humana

Toda a noite meu espírito clama

A correção desse chiste herético

Não, necessariamente, o final profético

A pairar sobre o meu cadáver frio

Assim que minha alma flutua no vazio

Acordo em meu sepulcro,

Meu calcanhar está mordido

O que isso significa, pergunto

Não importa, você está perdido

O seu pecado não me é oculto

Nele, vejo o seu rosto refletido

Não se rebaixe com tanto cinismo

E desça junto comigo ao abismo

Os anjos lhe fecham as portas,

Mas um lugar o espera no submundo

Pelo sangue de cem virgens mortas

Não caminhará mais sobre esse mundo

Seu destino, em minha ira, está selado

E seu corpo, por meu ódio, já foi velado

Entregue-se à sua própria sorte

E agora, quem rogará por sua morte?

A serpente insinuante

Enrolada no seu pescoço

Uma vista tão bela, cativante

Da luxúria em seu rosto

Seu olhar dilacerante,

É o prelúdio do meu desgosto

Sua boca semeia erva-daninha

Para, no fim, sua alma ser minha

Você já está acorrentado

Mesmo de cima do seu trono

Sigo seu rastro deixado

Até nas trevas do meu sono

Em breve, será tragado

No inferno, não há abono

Não pergunte por meu paradeiro

Estou embaixo do seu travesseiro