Folha em branco

Deito-me sobre esta alva página num gesto pálido

Febrilmente desabam lágrimas de dor

Vejo teu rosto afogado num pensamento nostálgico e cálido

Loucamente balbucio palavras de horror

Em desespero de não poder gritar. Só resta lamentar

Olho a folha com dedicação. Preciso escrever algo nela

Preciso compensar a dor, a incompreensão.

Preciso fazer alguma declamação bela

Mas não há motivos nem desabafos a fazer

Só há um singular espaço vazio

Que aumenta conforme diminui o prazer

Aquele prazer de ser feliz que sumirá em desalento tardio

Do lado de fora o mundo cinza me observa curioso

O que é que irá fazer agora? Pensa ele.

Chorar, ou matar alguém em algum gesto calamitoso?

Mas o mundo não se importa. Isso não é problema dele

Contemplo o céu...As ruas com cheiro de pós-tempestade

Contemplo meu próprio fim... Morto pela dor na flor da idade

Escrevo algumas linhas fartas

Paro pra pensar em coisas perigosas

Num mundo onde quase só vejo almas mortas

Não é difícil seguir estradas tortuosas

Eu espero poder escrever algo mais aqui do que só dor

Sinto inveja daqueles malditos românticos

Sem problemas, só a graça do amor.

Da morte já posso até ouvir os cânticos

É hoje...

A folha em branco continua lá...Jogada entre papeis passados.

Um resto de café inunda o chão

Eu busco uma maneira de acabar com esses pensamentos pesados

Remédios não resolvem mais

Preciso de alguém para impedir minha decisão

Mas não vem ninguém nunca mais

Alcanço a faca...Minha única arma

Preciso acabar, coragem não é problema.

O que vem depois é meu único dilema

O quarto olha horrorizado o que se passa

A dor domina e meus olhos embaça

Não deixo bilhete de despedida, nem testamento.

Não tem motivos de tanto lamento

A janela aberta deixa entrar o último vento, o ultimo ar que respiro.

Quente, sujo, fétido como meu passado.

A folha enfim é inundada de dor...Tinta vermelha tirada do próprio corpo em horror.

A escuridão vem trazer calor. O rubro sangue escorre pelo resto de um infeliz acabado.

A folha em vermelho continua vazia, sem fim como um pedaço de papel amaldiçoado.