AUTO-DA-CONSCIÊNCIA

As facas da noite insone cortam a garganta do sono vencido, com a conivência do silêncio que agora desaba sobre tudo.

Tudo agora está imperfeito no meu universo imperfeito !!

Posso escutar a voz da consciência, gritar por socorro, ao afogar-se no lago da dúvida e da perplexidade.

Grita também minha alma, loba desgarrada da matilha, pelas veredas da ansiedade e pelos desvãos da imaturidade.

Meu coração recém parido dos sonhos ausculta a noite pelos escaninhos da verdade fria e se cala vencido.

Longe de mim, os simples, meus heróis, dormem nos braços da noite justa. Entregam-se ao sono tranqüilo, consumido no cansaço físico que abjura os pensamentos ruins e os desvios metafísicos e por isso são mais felizes.

Os lúcidos enxergam a realidade com óculos de grau, espreitam a noite sem planos, pois andam nas carruagens falsas dos antidepressivos.

Escuto o culto dos crentes que avançam pela estrada compassiva da fé sem nenhum horizonte.

Tentam salvar o mundo, que consideram perdido, quando na verdade procuram salvar-se a si mesmos. Gritam por um Deus surdo. Na verdade, creio que Deus ouve Bach todas as noites para não se importunar com suas ladainhas.

Olho os desenganados que se arrastam pelas vias obscuras da piedade e da indulgência.

Observo os loucos e inquietos que repensam o sentido da existência e das coisas. Rejeitam as convenções e se esfalfam por conta dos sonhos, porque cavalgam o dorso do desassossego, que lhes abre a consciência, por onde entra a dor, como um vento gelado e cortante.

Eu estou entre eles!! Pior, eu sou um deles.

Por que ainda insistimos em sonhar eu não sei. Melhor seria dormir. Tomar um porre e dormir, porque os caminhos de nossas intuições são imprecisos e nos levam ao mar do que já sabemos.

A escuridão que há lá fora é um andaime em volta do edifício da angustia da humanidade.

Tudo se cala, para que os estilhaços dos meus pensamentos atinjam o íntimo das minhas certezas já esfrangalhadas.

Preciso de Deus, mas fé passou ao largo de minhas convicções e meu porto de esperanças está vazio e coberto de sombras.

Preciso de amor, mas deixei cair o último vaso de ilusão que estava em minhas mãos.

Preciso achar uma saída para as convenções da vida, esta corrente que me olha envergonhada e me pede passagem.

Preciso reconstruir a arca dos sonhos, mas tenho as mãos hesitantes e a alma insegura.

Em breve, o rio do novo dia irromperá no seu curso eterno e eu terei de reentrar no baile diário da existência, com meus passos trôpegos e minhas pernas pesadas. Pois sempre, haveremos todos de dançar sob o sol!

Amanha será mais uma porta do futuro que passaremos sem que tenhamos descoberto qualquer coisa que valha a pena. Ma o amanhã virá, independente de nós e ele será o forno onde os homens comuns lutarão para assar o pão amargo de suas existências.

Eu estarei com eles, tenso e resignado e trarei as lâminas finas da ironia nos lábios e o sarcasmo nos meus olhos vermelhos.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 03/09/2008
Reeditado em 27/08/2017
Código do texto: T1160555
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.