Os anjos da cidade

Por entre as ruas escuras

Cercados da podridão esparramada nas calçadas

Olhos impassíveis e vazios observam

O passar incessante de carros e motos

Por entre as silhuetas negras dos prédios

Aqueles pequenos olhos espreitam silenciosos

O descompasso terrível das horas

O tempo anacrônico das mentes humanas

E todos têm pressa. Todos têm fome

Todos desejam mais do que podem ter

E ao mesmo tempo todos não possuem nada além do silêncio

Nenhum futuro real pra correr atrás

Os anjos da cidade observam mudos

Com lágrimas frias nos rostos

Lágrimas da indecisão do destino

Lágrimas pelo que enxergam e não sentem

A cidade indiferentemente se constrói

Através de valores imaginários

E de significados inexistentes

Que fazem parte de uma sociedade

Que de tão complexa torna-se incompreensível

Por entre os bosques abandonados

Perdidos nos parques sujos

Por entre placas tortas e luzes que passam

Mais olhos observam sem emoção

O ar claustrofóbico das ruas

O mormaço sufocante dos bairros

A brisa sem vida dos escapamentos

A vertigem dos mundos que se tocam e se destroem

Entre ligações inconvenientes de idéias

Todos os anjos da cidade observam

Não como anjos

Mas como espectadores da obra de um demônio

Espectadores indiferentes da obra humana

E do rumo caótico que coordena o passar dos dias

Que mantém cada alma na rotina de sempre

Sem se importar com o que acontece a seguir

Sempre com pressa de ir e voltar

Ninguém nota os olhos que choram sem vida

Os olhos distantes que observam nas sombras

E que apenas concluem num suspiro impassível

Que as coisas dependem apenas da desordem do acaso

Os anjos da cidade permanecem como espectadores da morte

Esquecidos e abandonados no canto mais escuro dos corações

Onde os olhos um dia reinaram felizes por entre os sonhos perdidos da vida