As últimas horas

Agora faltam apenas momentos

Depois de 5 anos de solidão

São anos passados, e infestados.

De dias mal vividos, de ilusões e sonhos.

As últimas horas chegam

E eu vou com elas pensando sobre os poucos dias bons

No raiar do último dia

Do último ano

Da última hora

Aonde a bondade do mundo se esgotou faz tempo

Observo meus momentos finais em um afogamento mudo

Não como quem logo vai embora com saudade

Mas sim como um espectador impassível da minha própria sina

Alguém que julga e condena tudo

Que não chora mais quando condena a si mesmo

Tudo o que foi perdido no caminho

Cada lágrima de sangue que vi e chorei

Cada bolha de cada ferida na alma que fiz e senti

Tudo isso permanece

E inquieta

Eu observo a última manhã

A brisa fria da despedida que entra pela janela

No fundo, eu vivi a vida toda esperando por isso

Esse é o nosso triunfo

Um momento em que seremos alguém

Seremos notados

E enfim tudo acaba

É nessa hora, na hora que desistimos de tudo,

Que passam a nos notar

Nos afirmam a beleza da vida

E nos enganam com falsos sorrisos e abraços

No dia seguinte somem

E voltamos todos a nossa ciranda

De mentiras e falso consolo

É disso tudo que eu fujo

Não é da solidão, nem da guerra, nem da dor.

E sim da simples menção da palavra mentira

Eu fujo do que tenho medo

E tenho medo de que tudo volte

Os erros, os papeis queimados, o lixo que deixei no caminho.

Nesse último momento de medo pela primeira vez sinto um alivio

Ao soar do próximo minuto não haverá mais nada

E lá se foram as últimas horas

Agora não me resta mais que segundos

O relógio na parede

Vejo os segundos passando como os anos passados da vida

O suor frio nas mãos

Pego uma última foto e coloco na frente

Minha última lembrança boa

Há tanto tempo...

Cigarro na mão

Não haverá adeus dessa vez

O revolver do lado

A adrenalina sobe, o medo começa a voltar.

Daria tempo de desistir?

Isso é o que sempre pensamos

Mas nunca desisti na vida

Por isso mesmo, ao longo dos anos, perdi a vontade de vivê-la.

A janela aberta mostra a rua, o comércio, os monstros.

Um último olhar de nojo para a rua

A certeza de que quase não haverá dor

Dou um último sorriso, aquele de sarcasmo.

É agora, e nunca mais.