Desilusão

Sentou-se na pedra fria

a contar os horizontes

nervosismo à flor da pele

lavrando pedras e montes.

Crispava os dedos na boca

roía as unhas de furor

desnudava os horizontes

co’a fúria do seu rancor.

Buscava no imperceptível

dum além indecifrável

algo que na sua vida

fora peso inolvidável.

No tédio da sua angústia

germinavam conjecturas

de infernos multiplicados

na penumbra das lonjuras.

Da alvura dos cabelos

pendiam férreas algemas

dum suor que foi sugado

até às gotas extremas.

Homem velho encarcerado

nas teias do seu viver

procura de olhos toldados

o sonho do renascer.

Foge tudo esvai-se a vida

num erguer de sepulturas

e o homem que foi sugado

bebe o sangue das agruras.

Ser ou não ser foi um sonho

que a loucura construiu

sobre pérolas de escombros

dum palácio que ruiu.

Lutar na vida foi logro

dum homem tornado besta

pois a vida só tem gosto

se um homem é homem mesmo.

( Negrelos, 19/12/1975)