Lágrimas
Uma gota
Uma lágrima
Um grito.
Um grito abafado
Porque sussurrado
Entre quatro paredes.
As quatro paredes do meu corpo
Onde trepadeiras invejosas
Abraçam e enclausuram
Manietam e trucidam
Pensamentos audazes.
Foge-me o tempo
E é nesse momento
Que o pensamento já fugidio
Se agarra às escarpas da falésia do abismo.
Ouço o grito
E sinto que vem do meu coração
Escuto-o
Mas não o posso abraçar.
A lágrima desliza
O sonho já foi
E hoje só ouço ecos
De gotas em direcção ao mar
De gritos abafados
Deste enorme pesar.
Ao sol ou à chuva
Uma lágrima
Um grito
É sempre de lamentar
Coimbra, 20 de Outubro 04
Espero
Mas sei que não vens.
Fazes parte de mim
Dos meus ideais
Do meu pensamento
Mas não estás presente.
És a musa que eu criei
O Anjo que eu adorei
E a chaga que me impus
Para lamber as feridas
Que só eu sei…
Não te peço que me surjas
Porque te sei presente
Especialmente quando ausente
Quando te sinto.
Nada irá mudar
Nunca mudamos o que não pretendemos
Porque somos
E só somos o que queremos
Nem mais, nem menos.
Espero
Mas sei que não vens
O teu grito não o ouço
E o meu
Está perdido, algures, no tempo.
Não esperes, não aguardes
Os olhos só vêem ilusão
Mas no mundo do sentimento
Há só um lugar
O do coração.
Nem ferros, nem celas, nem rios
Afogam ardente paixão
Nem vidas, nem mundos, nem mortes
Calam a voz do coração.
Espero
Mas sei que não vens
Criei-te, imaginei-te, idolatrei-te
Fiz um mundo onde te sabia
Foste a cura das minhas chagas
Hoje o sonho já não é sangria.
Ainda que saiba esperar
E que nunca venhas
Sei-te presente
Porque te tenho
Porque és vida.
Coimbra, 20 de Outubro 04
Não há rasgos, nem setas, nem sons
Nem facas, nem cintos, só dor
Há gládios cortantes e vozes mudas
Surdas, abafadas, expressões sem cor.
Há sofrimento incompreendido
Nas vozes de quem empobrece
Há míngua, insuficiência, desatino
Nas palavras doentes, carentes
Na razão que a razão desconhece.
É preciso socializar, ensinar
É preciso compreender
Sentir, dividir e dar
Mas para dar, é preciso ter.
Entre rios e punhais cortantes
Entre levantes e mares de foz
Navegam vidas, nossos semelhantes
Que agonizam, que perderam a voz.
Coimbra, 21 de Outubro 04
Sai-me um fumo pelas mãos
O cinzeiro está cheio de “piriscas”
Cada uma representa uma vida partida
Oh! Tantas vidas destroçadas
Tantas vidas sem vida, sem fim
Ou com fim à vista.
Descalço-me deste fardo
Deste mundo em agonia.
Procuro outra luz
Onde o términos é nova vida
Onde a liberdade, não é uma cruz.
Vejo finalmente o fundo do túnel
A estrada a percorrer, um paraíso à espera
De braços abertos, para me receber.
Caminha suavemente na minha direcção
Vem vestido de negro
Trás um manto escuro sobre o corpo
Com uma capa enorme ondulante
Que deixo abraçar o meu coração.
Já não me sai fumo pelos dedos
Já só sou fumo
Fim de citação.
Coimbra, 21 Outubro 04