Desilusão Social

Desilusão Social

Porque estar desiludido?

Os ralos cantam de noite

O som do chilrear é o meu acordar

E o coaxar das rãs existe, mesmo lá longe.

Não ouço as toneladas de árvores decepadas a chorarem

Nem os noitibós a fugirem das pradarias desertas

Nem as lágrimas das folhas a caírem no chão.

Não sinto a dor das raposas, nem das martas

Quando esquartejadas

Para ostentação ao pescoço.

Não sinto porque não estou lá

Mas posso ouvir ao longe.

Porque devo estar desiludido

Se as crianças continuam a rir

- por vezes a chorar também -

Se as guerras perduram há dois mil anos

Se o meu patrão mantém a amante

- que sempre teve, de resto.

Porque continuar desiludido

Se tudo está certo

Porque sempre esteve

E sempre foi assim?

Porque manter desilusão

Se nunca um pobre, humilde e sério

Comandou um povo.

Se apenas os ricos, sérios ou menos sérios

Ditam as leis que nos governam a todos.

Se a democracia de hoje, se casa diariamente

Com a injustiça social

Com a desigualdade de oportunidades

Como em todos os restantes sistemas

Ao longo da história, ao longo do tempo.

Porque estar desiludido

Se a vaidade humana foi, é e será sempre

A culpada de outra tanta infelicidade;

Se o último cálculo construtivo do homem

Assenta nos mesmos alicerces

Do seu último cálculo destrutivo;

Se a matemática com que destruiu

A velha floresta e arrasou as montanhas

É a mesma que hoje lhe serve

Na geometria das novas cidades;

Se o lápis “Christian Dior” se inspira

No risco de fogo da carabina

Que abateu as martas no Alasca.

Porque continuar desiludido

Se a democracia dos tempos de hoje

A todos conformiza e cloroformiza

Dispersa atenções sobre o irrelevante

Mediatiza o óbvio e desinteressante

Para não deixar pensar no que é importante

Para não questionar o instituído

E rejeitar o manifesto.

Porque continuar desiludido

Se este sistema dito socialista

Ou socializante

Capitalista ou capitalizante

Valoriza o aldrabão e o vilão

Enaltece a sábia fuga aos impostos

Dá cobertura ao drible e à finta

- seja isso o que for -

E refugia-se em leis criadas para si

Para os poderosos que as fizeram.

Porque hei-de estar desiludido

Se sempre foi assim

E sempre assim será.

Na loucura da minha desilusão

O louco diz o que pensa

Mas nunca lhe darão razão.

Continuarei desiludido e a dizê-lo

Mas por impotência, apenas a pensar

Se pensar, resolvesse...

Coimbra, 6 de Novembro 04

(após algumas contrariedades e desilusões momentâneas sentidas na pele)

Vimarakof

Vimarakof
Enviado por Vimarakof em 15/10/2006
Código do texto: T264812