CANTIGA DO AMOR EFÊMERO

Um crime, se me permites,

leitor, revelar-te-ei:

a mais linda das mulheres

eu, insensato, magoei.

Por breves, diáfanos dias,

foi-me ela a Sherazade

que, em sonhos de mil e uma noites,

corporifiquei.

Amou-me. Também a amei.

Mas sem desculpa plausível,

fleumático, inacessível,

ontem a noite, (que noite!)

assim, sem mais e sem menos,

a diva, a lívida Vênus,

eu para sempre deixei.

Por certo que chora, ela,

como estrela de novela,

no cenário em que atuei.

O “script” não trazia

tão abrupta cisão.

O meu velho coração

já, por fim, petrificou-se,

desiludiu-se, não sei...

Já, por fim, pesa-me, imensa,

essa aonírica noite

na qual, mesmo à luz dos dias,

para sempre me embrenhei...

(Da coletânea "Estado de Espírito", de Sersank)